13/10/2009

Correr e lutar

Estava pesquisando algumas fotografias que expressassem desigualdade social e fiquei impressionado com a quantidade de fotos sobre esse tema que focam pés (quase sempre machucados e maltrapilhos) e mãos (quase sempre espalmada para cima, como quem pede esmolas). Os membros superiores e inferiores, por outro lado, estão frequentemente associados à ação, normalmente de lutar (no caso das mãos) e correr (no caso dos pés). As mãos de um lutador de boxe ou os punhos fechados e erguidos de um membro do movimento sindical, ou outro movimento social qualquer, expressam claramente a ação da luta ou da resistência. O choque que gera vitória. Os pés de um corredor, obstinado por cruzar a linha de chegada, ou de um lutador em guarda para receber o combate de seu oponente, expressam também a ação da luta ou da resistência. Pés e mãos, podem ter o mesmo simbolismo de ação. Mas quando aparecem vinculados a imagens de desigualdade social, mostram-se cansados, inertes ou desumanizados: são pés calejados, feridos e, provavelmente, fedidos; são mãos grossas, espalmadas uma contra a outra e servindo de travesseiro em chão de pedra ou levantadas para o céu, esperando uma providência alheia. Mãos e pés, quando espressam desigualdade social, estão irreconhecíveis, nem de longe lembram os instrumentos de luta e resistência que foram um dia, ou poderiam voltar a ser. Mãos e pés da desigualdade aparecem distantes, desentrosados e desajeitados. Parecem esquartejados: mãos pra lá, pés pra cá e nenhuma ação. Só inanição. Correr e lutar vão parecendo até antagônicos: correr como sinônimo de fugir; lutar, como encarar. Mas correr e lutar nunca foram tão próximos. São ações. Uma atitude importante diante da desigualdade seria uma ação de combate e de resistência, uma conjugação de mãos e pés. Mãos fechadas que partem ao ataque e pés ágeis que se esquivam do oponente a derrotar, que é a própria desigualdade. Nada de mãos pra trás ou cruzadas com os braços; nada de pés vacilantes ou cansados. Precisamos cerrar os punhos e posicionar os pés para tomar parte nessa luta. Isso é solidariedade, que também é uma ação.
A foto desta postagem é de Sebastião Salgado.