31/05/2012

Cupim

O cupim sai da toca sem saber pra quê
E vai atrás de uma luz que o possa aquecer.
Bate-se tanto na luz que não enxerga,
Que vê o chão crescer.
O cupim perde as asas e para de voar.
Procura logo um lugar pra se esconder.
Quer voltar pra toca,
De onde não deveria ter saído,
E que não está mais lá,
Não existe mais.
Cai faminto e busca se alimentar.
E vai furando sem parar,
Deixando rastros tortos na madeira reta.
E o pau comido grita no silêncio do impossível,
Reclama um corpo estranho em si,
Ali,
Marchando nas ranhuras,
Mexendo com as estruturas.
Mas fica firme e afirma a força impassível
Do tempo vencido que o derrota a cada instante.
O cupim luta com a madeira,
Que só tenta resistir,
Enchendo a barriga do adversário como forma de o atingir.
Pra ele cair fora.
Fora dali poucos conseguem ouvir os ruídos da batalha,
Os gritos,
Os choros,
Os lamentos...
Mas quem quiser pode.
Só precisa entrar.
Dentro a batalha é sempre mais intensa!
Somos pau pra toda obra que não dura.
E cupim.

30/05/2012

Levando nas costas a esperança da vida

Ah, mãe!...
Se você não tivesse ido,
Teria eu.
Fiquemos assim,
Na saudade de um peito partido,
Que levo comigo como um castigo.
E que une o que nos espera,
O que nos separa.
....................................................................
Imagem: Foto de uma escrava e seu filho na Bahia do século XIX.

29/05/2012

Octopus

O polvo vai fundo.
O polvo se confunde no fundo.
Ele não é o que você pensa...
Nem tenta.
O povo confunde você,
Mas mantém o poder.

28/05/2012

Abrigo

Há um cubano buscando abrigo
E não sei o que eu digo.
Encho a boca
Pra não deixar passar
Essa oportunidade singular.
Dou a ele o que ninguém me deu,
O que não é meu:
Abrigo,
Porque não tenho pátria,
Só fratria.
E não sei porque existe fronteira humana
Na natureza divina.

27/05/2012

A casa é a rua

Em casa você anda nua,
A casa é sua.
Acaso sua?
Vá à rua,
Toda nua.
A rua também é sua.
Se a casa é a rua,
Faça-se sua parte inteira:
Senta à pua!

26/05/2012

Precisa-se de uma hermeneutica poética?

Quando a poesia precisa ser explicada,
É porque não tocou,
É porque não chegou.
É problema de feitura,
De leitura:
Ler é fazer poesia.
Ler é transformar a linguagem do jeito que se pode,
Do jeito que se quer,
Não do jeito que se pretendia.
Essa é a poesia!
Livre, universal, falante, marcante...
E marcada de sentidos
Por todos os lados.
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Inspirado no documentário "O canto e a fúria" (1994), de Zelito Viana, que analisa a poesia e a carreira do poeta Ferreira Gullar.

25/05/2012

Sinal de fumaça

É certo que onde há fumaça, há fogo. Mas às vezes o fogo está bem longe. E respira-se a fumaça que sufoca e alegra, sem sentir a quentura do fogo (in)contido na ponta dos dedos. E a fumaça só dissipa quando o fogo abranda.

24/05/2012

Poesia sobre a guerra

Cansei de promessas,
Cansei de ilusões
Perdidas.
Quero conduzir à merda
Toda guerra,
Toda farsa
Que não seja minha.

23/05/2012

Direito de amar

Eram dois amigos que não podiam viver longe.
Mas não podiam viver perto
Dos olhares curiosos,
Maldosos...
E para o bem de muitos,
A morte os separou.

Ele aguentou só
O peso da saudade
E a vida de professor.
Desejou morrer,
Desejou viver
Ao lado do seu amor,
Que nunca voltou.

Era só um professor metido
E bem pago,
Cheio de temores
E rancores.
Mas que reencontrou seus amores
Em vidas dispersas,
Em trilhas incertas.

Às vezes coisas horríveis têm a sua própria beleza.
E é preciso resignar,
Desfrutar
E recomeçar.
Tudo é exatamente do jeito que deveria ser.

Até você.
E todo temor
Alimenta um controlador.

Por que, então, temer a solidão?
Por que temer o direito de lutar para amar?
Lutar já é amar!
E amar não é lutar,
Mas (com)partilhar.
............................
Inspirado no filme Direito de Amar (2009), de Tom Ford, com Colin Firth realizando brilhante atuação no papel principal.

22/05/2012

Trabalho e aventura

Trabalho aventureiramente.
Minha aventura é trabalhar.
E corro todos os riscos.
E como todos os ricos,
Sofro a dor de existir sem ser.
Mas não tenho riquezas,
Só duradouras durezas.
E vou atrás do meu prazer,
Vou atrás de você,
Minha maior aventura.
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Trabalho & Aventura é o segundo capítulo do livro Raízes do Brasil, de Sergio Buarque de Holanda.
Foto de Fernando Duarte para o filme A Grande Cidade (1966). Na foto estão os atores Antonio Pitanga e Anecy Rocha.

21/05/2012

Lei, pecado e graça

O pecado não há.
Só a lei.
E há quem pense nela como solução,
Sem lembrar do perdão.
É um pecado!
Sem graça.

20/05/2012

Amar e amarrar

Ela quer ser amada,
Amarrada.
Mas não consegue se amar,
Não consegue se amarrar.
Amar parece ainda mais distante
Quando não se consegue viver o instante,
Quando não se pode viver o amor presente.
Amar sem se amarrar
É amarrar sem amar,
É torturar pra gozar.
É machucar.

19/05/2012

Poder simbólico

Há um poder simbólico,
E não minto,
Que nem sinto,

Que nem esse:
Orientar a ser,
Sem querer,
O que se quer
Fazer de você,
Com você.

Há um poder simbólico
Para produção do consenso,
E nisso não penso,
Porque pensar é pra poucos,
Só cabe aos loucos.
E quem quer ser normal,
Leva tudo na moral,
Na moringa,
Sem saber como,
Bebo.
Embreago-me com o patrão,
Do padrão.

Há um poder simbólico
A qual não posso resistir,
Porque está nele o existir,
O elixir
Para uma vida longa
E um pensamento curto.
Aí eu curto!
E sigo a condição
Imposta para adequação
Do ser ao ter.

Há um poder simbólico,
Mas real.
Ele não derrama sangue,
Só desejos.
E nos tornamos escravos livres,
Dos nossos próprios desejos,
Que não são nossos,
Mas aprisionam nossas razões
De ser
O que se quer,
Desde que sem querer
Pensar-se.

18/05/2012

Identidade poética

Não faço poesias.
Elas que me fazem.
Sem elas não vivo,
Não sou!

17/05/2012

Escolhas alheias

Tenho total reverência às escolhas alheias.
Por isso sou tão quebrantável,
Tão descartável.
Porque sei que o que se passa...
Passou.
E sua palavra não é capaz
De mudar a postura do rapaz:
Envergado,
Envergonhado,
Mas não quebrado,
Esperando a dor passar.

16/05/2012

Velho abraço

Tenho toda idade necessária
Para suportar sua represália.
E não canso de desejar seu bem.
Pois é meu bem.
Vou ficar aqui,
Até meu olho cair
Em você,
Voltando para esse velho
Abraço.
Cansaço!

15/05/2012

Estatística

Quero estimar o erro,
Meu erro de estimação:
Pra seguir tratando bem as feridas.
E levá-las a algum lugar,
Não muito longe de mim.

14/05/2012

Dois pesos e nenhuma medida

Quando você se acha,
Eu a perco.
E ninguém a vê.
Quando você se perde,
Vem me ver.
E ninguém a vê.
Humildade-saudade;
Arrogância-vai tarde!

13/05/2012

Trágico-mágico

Fumo e não trago
Comigo
Sua companhia.
Mas quando a onda vem,
Você também.
Vejo você passar
E desejar partir
Pra cima de mim.
Chego a me deitar
Pra esperar você chegar.
Mas quando abro os olhos,
Não a vejo mais.
Não a vejo mais
Longe de mim.
Mas, enfim,
Há mais que realizar a aprender:
Há o resignar,
O continuar...
O conviver com o vazio da falta que me faz!
Tão trágico quanto mágico,
Humano.
____________
Foto: Rita Lee.

12/05/2012

Sobre o coração que está na cabeça de cada um

O coração bombeia o sangue e alimenta a vida, que está na cabeça. E quando vai à boca, sente o gosto da digestão, da razão de ser emocionante, palpitante, sofrredor.

11/05/2012

A dor de existir que ninguém quer sentir

Há uma dor em existir,
Uma angústia sem fim.
E nem o amor muda
O buraco de lugar,
O desejo a lutar.
Pelo contrário,
Amar é atravessar o buraco existencial
Com corpos de angústias e faltas
Para um Outro objeto,
Sujeito na relação.

Mas ninguém quer mais a dor,
Todo mundo quer amor
E felicidades
(Naturais ou artificiais,
Legais ou ilegais)
Pra estancar a dor:
Drogas
De vidas sem fim.
Alienações do Outro,
Para consumo próprio,
Num egoísmo crescente!

10/05/2012

Interdito

Tenho dito,
Com o interdito,
O vazio existencial existe.
Ele é inconsciente.
Mas se sente presente,
Angustiadamente.

09/05/2012

Consumir

Quando os desejos de uma pessoa encombrem suas necessidades,
Consome-se!

08/05/2012

Vida longa às borboletas!

No tempo das borboletas,
Não se voava muito longe do chão.
Mas a esperança nunca morria
E a alegria estava no olhar.
Ou numa piscadela.
Quando as borboletas voavam,
As mãos se levantavam
E os corações se entrelaçavam,
Esperando-as voltar
Com as notícias sobre o que viram no fim.
Se casulos não prendem borboletas,
Pauladas não as derrubam!
E ainda há quem as vê por aí,
E que siga atrás delas.
.................................................
Homenagem às memórias das irmãs Mirabal, assassinadas a pauladas, em 1960, durante a ditadura do presidente Trujillo, na República Dominicana. E a todas as demais memórias que ficaram fragmentadas e espalhadas por aí. Não se pode prender as borboletas. Nem se deve deixar prender por elas. Quando as borboletas (as idéias) voam, na realidade se confundem os olhos. E a vida passa mais devagar, só pra vê-las passar. Não há saudade que traga de volta o que passou! E olhar de frente pra trás é reverenciar a memória, é louvar a beleza que ficou gravada numa vida curta. O filme "No tempo das borboletas" (2001) retrata parte da vida (e da morte) das irmãs Mirabal.

07/05/2012

Estamos juntos

Estamos juntos.
Mesmo sem saber.
Estamos juntos na mesma dor que nos separa.
E repara enquanto dá,
Pra não perder o que se tem,
Tempo.
O valor da vida não está no sopro,
Mas no espasmo que nos afasta.
Abra os olhos,
Estamos juntos.
Quando a gente fica doente,
A gente precisa de toda calma,
De muita alma
(Zelosa)
Ao lado
De fora pra dentro,
Pra diminuir o tormento.
Quando a gente fica doente,
A gente enfraquece,
Amolece.
E cresce,
Porque se reconhece.
Estamos todos doentes,
Somos todos carentes.
E não sabemos o que estamos esperando.
Para abrir os olhos e olhar em volta de si.
E juntar forças.
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Estamos Juntos (2011) é um longa-metragem nacional que mostra a vida, em sua complexidade, naquilo que há de mais humano: a solidariedade da dor e a solidariedade na dor. A dor é a condição mais humana que existe. E quando da dor nasce a solidariedade, entramos no campo do sobrehumano. O fillme mostra diferentes dramas vividos individualmente que são a matéria-prima para a superação do atomismo do indivíduo numa sociedade de consumo, em que nos tornamos sujeitos-objetos a serem consumidos. Mas se há algo que nos consome é ter de equilibrar tantas expectativas (nossas e alheias) sobre uma cabeça tão pequena quanto o mundinho em que nos fechamos. São dores vividas, por todos os lados, e não as sentimos como deveríamos. E devemos (sem conseguir pagar) o preço da solidão à nossa incapacidade de olhar, de se ocupar. o verbo ocupar é parte importante do filme, que mostra a ocupação de casas pelos membros dos movimentos sociais de luta pelo direito à habitação, como um outro tipo de dor que gera solidariedade. A solidariedade da luta.
Ocupar e viver
Ocupar a vida
E me ocupar de você.
Como quem sabe que viver é se ocupar.
E quem não se ocupa de alguém,
Culpa a vida pelo que vem.
Ocupação é compreensão do direito de viver,
Ocupando cada espaço da vida social.
Mas quando não se entende o sentido da ocupação,
A luta da vida parece em vão,
Parece mera ocupação (do tempo).

06/05/2012

Luz da lua cheia que me acerta em cheio

Lua cheia
De encanto
E me tranco,
Em meu canto,
Esperando essa fase passar.
Fecho os olhos pra não sentir,
Pra não sucumbir,
À velocidade da luz,
Que queima minha pele
E fere minha retina,
Quebra minha rotina.
Em geral sou doce,
Como um doce,
Como você,
Mas essa luz da lua cheia,
Que me acerta em cheio,
Esvazia meu peito de você
E me enche de saudade de mim.
E me faz descontroladamente carente,
Deprimente.
Fecho as cortinas e evito a janela para não me expor
A um contato transformador
Do meu eu-interior
Em um bicho que não sou capaz de controlar,
Mas tenho que carregar:
Um ser do outro o algoz
Por um comportamento sem voz
Que me destina a matar
Quem mais quero;
Preservar
E matar
Parecem conviver
Até o anoitecer,
Quando tenho que me recolher
E me prender nas correntes
Que me chocam
E libertam você de mim.
_____________________________
Homem lobo
do homem
lobisomen.
"Carrasco de si mesmo", como diria Baudelaire.
E nem sempre é isso que se quer.

05/05/2012

Controla-dor

Controla a dor
Que te cerca,
Que te seca,
Por não controlar-te mais.

04/05/2012

Direito fundamental a sonhar

Há um sonho que não me deixa
Acordar,
Viver
E ver.
Esse sonho é fundamental viver.
E acordar parece compreender
O que falta,
Tanta falta
Faz
Parecer ilusão
De ser
Sem poder.
Há um direito fundamental
A sonhar.
Sem esperar
Sançoes,
Senões.
Há um direito que não me indireita.
E me faz voar
Pra outro lugar
Que não aqui,
Que não sei se há de vir.
E se não vier já terei sonhado,
Já terei vivido.

03/05/2012

Ser adulto civilizado

Maturidade é auto-constrição,
Auto-anulação,
É usar a liberdade pra se ferir,
Pra se castrar.
E aprisionar-se
Num mundo cinza,
De poucos sorrisos.
E a criança que vivia,
Deixa de existir,
Porque é torturada,
Exterminada,
Até não mais chorar.
Pra adequação à realidade,
Pra perder a felicidade
E parar de sonhar
Sem limites.
Civilizar-se é limitar-se
Às paredes da alma criada pra nós,
É matar o animal que há em nós.
Pra quem já matou uma criança,
O animal é pinto!
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Luiz Fernando Veríssimo escreveu o seguinte sobre o processo de se tornar adulto: "Depois de uma certa idade a gente só enxerga os pés de longe, lá embaixo… e nós já fomos tão íntimos! Quando eu era bebê brincava com meus pés. Mordia, lambia. Depois nunca mais estivemos tão próximos. Às vezes tento visitá-los, mas a coluna não deixa. Viver é ir lentamente se distanciando dos pés."




02/05/2012

Pra que esperar se se pode desesperar?

Você não consegue esperar pelo que não se espera.
E sem esperar, sem esperança, se espanta,
Se aperta.
Esperta, espera passar o desespero.
Mas ele não passa nem pela porta de casa,
E continua sem esperar nada além disso,
Sem tomar partido,
E sem toma-la pelos braços,
E abraça-la,
Sem beijá-la
E amá-la...
E o tormento indesejado,
Inesperado,
Espera ocasião pra esperar seu fim.
Sem esperança de ser alguém.

01/05/2012

Piolho

Nem me lembro que tenho cabelo.
Senão quando um piolho vem pedir meu carinho.
Mas me nego a dar o que quer,
Até que ouço seu lamento
E me comovo.
Mas não me movo.
Só, sofro.
E deixo o sangue manchar minha cabeça.
Não há mais peleja.
Tudo foi perdido,
Foi passado.