29/11/2010

Cacos

Junto com as mãos os cacos que sobraram de tudo
E sinto o corte profundo que faz sangrar sem chorar.
Que faz sangrar e chorar.
Faz chorar sem sentir,
Sem ouvir.
E uso os cacos pra ferir você,
Pra dilacerar você e eu.
Rasgo na carne o mal que me prende.
Rasgo na carne o mal que me liberta.
E se não for para o bem,
Será para o mal.

26/11/2010

Sem vergonha

Há um menino buscando um amigo.
Querendo um abrigo.
Essa amizade é impossível,
Ela é temível.
Mas ele é terrível,
E vai atrás.
Sem vergonha nem culpa,
Na paz.
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Inspirado na música "Sem Vergonha", de Cazuza e Frejat. Letra completa e vídeo do Barão Vermelho cantando essa música no Rock in Rio estão disponíveis em: http://letras.terra.com.br/cazuza/1495328/

25/11/2010

Os de dentro e os de fora

Expulsos,
Excluídos,
Excomungados,
Exilados...
Estão todos fora,
Todos perdidos.

Buscando se achar.
(Ou querendo ser achados).

Um dia...

Enquanto você dorme,
Eu penso.
Eu choro.
Eu luto.
E só não sucumbo
Porque sei que amanhece.
E quando isso acontece,
Meu corpo cansado adormece.
E sonho de dia.
Sonho com o dia.
Todo dia.

Um dia...

24/11/2010

Confusão paralisante de uma cabeça fora do lugar

Tenho tanto por fazer e não sei por onde começar.
Tenho tanto pra começar e não sei por onde fazer.
Faço planos sem conseguir executá-los.
Executo planos sem conseguir planejá-los.
E vou me enrolando nos meus traços.
E vou me embolando nos seus braços.
E não sei o que esperar.
Eu só sei esperar.
O fim.

23/11/2010

Procura-se

Procura-se alguém do sexo feminino,
Maior de idade,
Que curta arte
E valorize o erro.
Que conheça seus desejos
E queira satisfazê-los.
Que goste da realidade
Sem perder a sensibilidade.
Que saiba ouvir quem não fala
E diga o que se passa.
Que não traga corrente nos pés
Nem tema o revés.
Procura-se um amor de verdade:
Inteiro e não pela metade.

22/11/2010

Panóptico cego

O panóptico tudo enxerga e nada vê.
O problema é que ele se coloca em você:
Faz suplicar o corpo,
Faz sentir-se morto.
Vigiado.
Quem vê o que não devia,
Nem sabe se confia.
Quem não vê o que queria,
Mantém a fantasia.
Mas às vezes se vê o que temia;
Às vezes se vê o que judia.
E duvida-se da serventia
De saber o que não se queria,
O que não se podia,
Não se devia.

O panóptico tudo enxerga e nada vê.

18/11/2010

Validade vencida

Vi a validade acabar
E não fiz nada pra evitar.
Deixei o tempo passar,
Achando que ia melhorar.

Hoje vivo no bolor,
Respirando esse fedor.
Até morrer?
Preciso mudar.
Antes dele me matar.
Antes de morrer.

15/11/2010

Verdade e liberdade

Queria que todos soubessem a verdade.
Mas como nem eu sei,
Melhor continuarem ignorantes.
A ignorância também é uma virtude.
Porque o conhecimento faz sofrer.

Queria que todos soubessem a verdade.
Mas como nem sei se há verdade,
Melhor continuarem acreditando.
Acreditar é temer pra manter.

Queria que todos soubessem a verdade,
Que não conheço
Nem reconheço.
Mas pra se aproximar de alguma verdade,
Qualquer que seja,
Melhor começarem a duvidar.
E sonhar.
Duvidar é enfrentar para mudar.
E quem sabe, melhorar.

Essa é a verdade:
Liberdade!
________________
Imagem de escravo fugindo, publicada num jornal do Rio de Janeiro, no século XIX. Naquela época prometia-se reconpensa a quem dissesse o paradeiro do escravo foragido. O escravo fugia da opressão do senhor e das condições insalubres da senzala, em busca da liberdade, que frequentemente não vinha, já que viver escondido é tão opressor quanto viver amarrado. Mas numa ponderação de valores, valia a pena correr o risco, enganar para se safar e tentar reconstruir a vida longe dos açoites. A fuga do escravo para os quilombos, ou para qualquer outro lugar, reduzia a falta de liberdade física e político-jurídica a uma falta de liberdade político-jurídica. E isso já era melhor.

08/11/2010

Gosto e não se discute!

Gosto de raciocínios rápidos,
Mensagens subliminares,
Sorrisos simpáticos
E língua afiada.
Gosto do que não sou.

Gosto de vestidos esvoaçantes
E tatuagens exuberantes:
Liberdade e arte.
Gosto do que não tenho.
Gosto do que não tive
(Gosto e não se discute!),
Gosto do que não fui.
Gosto de você
Só.
[][][][][][][][][][][][1903-2011][][][][][][][]

07/11/2010

Desempenho e frustrações

Um intelectual de tradição marxista chamado Guy Débord publicou no final da década de 1950 o livro "Sociedade do Espetáculo", em que criticava as transformações do capitalismo tornando tudo em espetáculo para consumo. A sociedade americana, sociedade do espetáculo por excelência, usa a expressão standing ovation para designar um ritual de aplausos prolongados e de pé (numa expressão de reverência) que se destina a grandes personalidades. Quem já presenciou uma cena como essa não pode negar que seja emocionante. Talvez uma dessas homenagens mais emocionantes tenha sido a despedida de Magic Johnson das quadras de basquete, quando descobriu ser portador do vírus HIV.
Mas o contexto da fragmentação das relações sociais e atomização dos indivíduos em que vivemos alimenta essa nossa carência coletiva por reconhecimento (aplausos) numa sociedade onde a indiferença reina. Por esse motivo, pela busca do reconhecimento, acabamos dando cabo a uma sociedade do desempenho. Mas trata-se de um desempenho apartado de seu sentido de uso, quer dizer, sem levar em consideração o bom desenvolvimento de uma atividade, qualquer que seja ela.
Estamos exageradamente preocupados com nossos desempenhos, mas de uma perspectiva egoísta e alienada: queremos desempenhar bem nosso papel, visando os aplausos, o reconhecimento, e não necessariamente a boa execução de uma atividade. Isso significa que estamos mais preocupados com o fim (reconhecimento) do que com o meio (boa execução de uma atividade). Aí passamos a desempenhar bem em todas as áreas da vida, do sexo à atividade profissional, passando pela religiosidade e a paternidade/maternidade.
Hoje em dia o vazio existencial é tão grande que desempenhamos com maestria nossos papéis para receber elogios e aplausos. Prova disso é que quando esse reconhecimento não vem, nos sentimos amargurados, magoados, deprimidos ou irritados. Ou tudo junto. Isso significa que o sentido da existência tem cada vez mais sido colocado no outro. E como vivemos, paradoxalmente, numa sociedade egoísta, essa atitude acaba gerando muitas frustrações, porque queremos reconhecimento pessoal mas não estamos dispostos a reconhecer o bom desempenho do outro. Isso também é um problema social.

04/11/2010

Louca!

Você é mesmo louca:
Vem buscar minha boca,
Vem pedir meus abraços,
E me dar uns amassos.
E eu que tenho tudo
Fico sempre mudo.
E eu que não tenho nada,
Caio no conto de fada.
E derreto-me sem poder compartilhar,
Sem poder a seu lado caminhar.
Cada momento é finito.
É infinito.

03/11/2010

Lado a lado no caminho

A caminhada é uma aprendizagem.
E como todo conhecimento,
É um sofrimento.
Sofro pra acertar o passo.
Mas se sofro é porque quero com você caminhar.
E porque penso que você quer comigo caminhar.

Para caminhar lado a lado,
É preciso apertar o passo
E desacelerar.
É preciso cadenciar.
Vem comigo?

02/11/2010

Postagem sem título nem razão

Você tem toda razão.
E sofro por não tê-la.