29/04/2010

Vinte e nove de abril

O caminho é longo, sinuoso e esburacado. Mas precisa ser trilhado acelerada e corajosamente. E quando alguém cruza seu caminho, como você não pode parar, a batida é inevitável. Às vezes se perde; às vezes se morre; se mata. Assim morreu Gonzaguinha, há 19 anos!
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Levaram a vida,
Mas não a poesia.
Lavaram a vida
Um dia a cada dia.
Levaram da vida
Até o que não havia.
Levaram a vida
Sem ter a vergonha de ser feliz.
Provavelmente ele começaria tudo outra vez.
Corrigindo acertos
E repetindo erros.
Modificando sem qualificar.
Só para modificar.
Só.

27/04/2010

Lealdades desleais

Alguém pode limitar você.
Qualquer um pode impedir você de avançar.
Até quem não tem capacidade pode acabar com você.
E assim, mesmo os desqualificados se sentem poderosos;
E os qualificados, idiotas.
E injustiçados.
Porque aqui o poder pode tudo,
Não tem limites (mas gosta de limitar):
"Aos amigos, tudo"!
E aos outros,
Exclusão!
Humilhação!
Porrada (que é a natureza crua do poder)!
Aqui o poder é assim:
Pode se tornar medíocre;
Pode o tornar medíocre.
Por trás da mesa (ou de uma barricada),
A guerra é sempre suja, insana e mortal.
Mata inocentes,
Docentes
E irreverentes.
Qualquer um que não entenda o normal.
Aqui é só assim que se faz.
Já é tradição temer o alheio,
Reproduzir os próprios pares.
Afinal, nos pares não há ameaças,
Só lealdades.
Lealdades desleais.
Desleais porque endógenas,
Corporativas,
Antidemocráticas.
Mas tudo em formas burocráticas.
Dentro da "lei".
Essa é a Única Forma de Poder Reconhecida.
Até quando?
Quantos ainda vão matar?
Quantos vão se matar?
Quantos ainda vão morrer?
As vítimas aprenderam com os algozes.
E mudaram de lado.
Mas o silêncio é o mesmo de ontem.

21/04/2010

21 de abril

No dia 21 de abril de 1792 Tiradentes foi executado. Posteriormente, seu corpo foi esquartejado, salgado e exposto em locais públicos. A pena de morte foi executada após ele ter sido condenado por crime de lesa-majestade, que significa traição ao rei. Foi Silvério dos Reis quem dedurou os "infiéis" (significado de "inconfidentes"), mas quem morreu condenado como traidor foi Tiradentes.
O pior é que por aqui continuamos invertendo as coisas até hoje: quem luta por seus direitos é tido por encrenqueiro; e quem burla a lei (ou mesmo consegue usar a lei para se beneficiar) é esperto e bem-sucedido.
Hoje o dia de Tiradentes é só mais um feirado. Mas a cada 21 de abril celebramos e estimulamos (mesmo sem querer, mesmo sem saber) a traição e a violência estatal: se não fosse Silvério dos Reis não haveria Feriado de Tiradentes. Um feriado também é alienação.
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Hoje é um ótimo dia para ler o Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles. E amanhã, a carta de Pero Vaz de Caminha, que foi onde tudo começou.

17/04/2010

Fogo no céu

O meu Flamengo entrou em campo hoje contra o Botafogo e perdeu penalti, o jogo e o campeonato carioca. Mas essa derrota já estava escrita na estrela. Na estrela solitária. Mesmo sendo flamenguista me permito escrever algumas linhas sobre o Botafogo, que é o time do coração de parte dos meus familiares. E que aprendi a respeitar. Vai aqui mais uma homenagem a Luiz Carlos Pereira Reid, botafoguense nervoso. Mas a maior homenagem a Luiz Caminhão foi, sem dúvida, esse título de hoje do Fogão. Adeus, Caminhão! Parabéns, Botafogo!

O Botafogo já foi gigante,
Já jogou de modo elegante.
Já ganhou títulos.
E já teve ídolos.
Acrescentou torcedores.
E perdeu torcedores:
Perdeu um Caminhão de torcedor.
A torcida ficou menor,
Não dá pra comemorar.
É FOGO!
É uma perda irreparável.

Mas o Botafogo foi campeão.
Ganhou um campeonato,
E por antecipação.
É mais que um campeonato,
É homenagem a uma vida,
I:ntensamente vivida.
Com todos os erros
E seus acertos.
Como numa partida de futebol.
Uma partida sem despedida.
Mas tenho certeza que ele viu de cima.
E festejou com outros botafoguenses.
Anônimos ou ilustres.
Se bem que lá onde ele está,
Todos são anônimos.
Todos são ilustres.

Hoje o dia é preto aqui.
E branco no céu.
Preto e branco.
É fo-go!
Fogo no céu!

16/04/2010

Caminhão

O caminho é longo,
Caminhão.
Mas trilhado velozmente.
Inacreditavelmente.

Entra na boleia
E pisa fundo.
Corre pelas vielas,
Vive pelas tabelas.
Chuta com força,
Bate com força.
Gargalha com vontade,
Vive com saudade.
Chora de rir,
Ri pra não chorar.
Busca a Deus,
Sai com os seus.
Bota fogo numa pelada,
Apaga o fogo com a gelada.
Zomba do alheio,
Sofre com receio.
Tudo muito intensamente.
Rapidamente.

E quando o caminho chega ao fim,
Ficamos sem acreditar.
Coração apertado.
Choro embargado.


[Lacuna]


Caminhão desgovernado.
Um Caminhão alado.
Caminhão indo ao céu.
Vai com Deus!
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Em homenagem ao querido Luiz Caminhão (1952-2010). Viveu (e fez viver) intensamente. Vai Caminhão, segue seu caminho. E deixa saudades aqui.

12/04/2010

Lembrança

Não costumo fazer isso, mas vou abrir espaço no blog a um amigo de infância para que ele dê um depoimento sobre uma experiência do passado. O texto abaixo é do meu amigo Moacyr Rangel Junior. Foram feitos apenas alguns poucos retoques com o objetivo de tornar o texto mais compreensível para quem não viveu a experiência, mas nada que alterasse o sentido original do texto enviado pelo amigo.
Deixa eu fazer uma confidência, e que ninguém nos ouça: há muito tempo, numa daquelas peladas da Segunda Igreja (bota tempo nisso!), eu aprendi uma coisa com você que nunca mais esqueci. Eu estava jogando futebol e você estava de fora, aguardando sua vez de jogar. Meu time perdeu e, na hora que estávamos saindo da quadra para dar lugar aos que estavam aguardando a vez de jogar, um dos que estavam entrando me chamou pra continuar na partida seguinte, reforçando o time dele.
Você, sempre radical, porém sempre muito justo, gritou: "Moleque, você não estava no time que perdeu? Poxa, tem mais gente de fora querendo jogar. Inclusive eu. Deixa os outros brincarem também!" Eu me lembro que retruquei que todo mundo quer jogar pra ganhar. E que se alguém havia me escolhido pra continuar em quadra no jogo seguinte, isso indicava que eu era melhor do que os que estavam de fora. Eu gritei: "A vida é assim, a gente sempre escolhe os melhores!" (ou algo desse tipo)
Iniciei a partida seguinte mas resolvi sair do jogo e quis colocá-lo no meu lugar, mas você não aceitou e disse pra eu escolher alguém que fosse melhor que você. Aquilo acabou comigo, não falei mais nada. Pra priorar minha situação, quando chegou sua vez de entrar em quadra, você me escolheu pra jogar no seu time. Nós ganhamos, juntos no mesmo time, três ou quatro partidas seguidas.
Desde aquele dia eu luto para que seja dada oportunidade aos que estão de fora! Na verdade, aprendi que a gente não é tão bom quanto pensa ser. E que juntos a gente pode se tornar bom no que faz. Aprendi na prática que a coletividade, a igualdade de oportunidades e, principalmente, a amizade devem preceder o desejo pelo sucesso. E que brincando (leve e solto) a gente também vence.
Diria o seguinte ao meu querido amigo de infância, sem prejuízo daquilo que ele aprendeu com a experiência: você era bom de bola, Moa! E eu, como nunca joguei bem, precisava mesmo entrar para "brincar". Mas sabe que seu depoimento expressa bem o sentido do que tenho defendido aqui nesse blog (necessidade de reflexão e conscientização sobre a realidade ao nosso redor, necessidade de agir responsavelmente e companheirismo)? E vamos brincar!

10/04/2010

Guerreiro Menino

Algumas pessoas não deviam morrer, deveriam ser promovidas a um status de imortalidade que garantisse imediatamente sua presença constante entre nós. Como um intruso do bem. Para o benefício de todos nós. E o critério para a imortalidade deveria ser a iluminação com que alguém alumia a vida dos outros. Gonzaguinha era uma dessas pessoas iluminadas que nos clareia e esquenta com sua energia. Não o conheci pessoalmente, só o descobri recentemente (há um ano e meio mais ou menos), meio sem querer. Mas já tenho todas as músicas que foram gravadas por ele e conheço um pouco de sua trajetória de vida.
Gonzaguinha era um poeta! Fico imaginando e desejando ainda haver caixas perdidas em algum lugar onde se guardam algumas letras dele não conhecidas do público. É uma maneira de imaginar a permanência de sua vitalidade. O que assisti, li e ouvi dele tem uma força sincera e uma presença contundente, que me faz achar que éramos velhos amigos tamanha a afinidade/identidade entre nós. Uma de suas obras-primas é a letra da música "Um homem também chora (guerreiro menino)". É uma música para se ouvir alto e para cantar junto com ele a plenos pulmões (sem vergonha, mesmo correndo o risco de desafinar) porque nesse caso há um casamento perfeito entre letra e música. É emocionante porque a poesia dessa canção aproxima a força da fraqueza, humaniza o guerreiro e fortalece o menino. É uma poesia que eu gostaria de ter escrito. Para quem não conhence a letra, segue abaixo. Mas não deixe de ouvir a música como foi cantada por ele. Essa experiência é inesquecível. Um abraço fortalecedor pra você!

Um Homem também chora (Guerreiro menino) - Letra de Gonzaguinha
Um homem também chora
Menina morena
Também deseja colo
Palavras amenas...

Precisa de carinho
Precisa de ternura
Precisa de um abraço
Da própria candura...

Guerreiros são pessoas
Tão fortes, tão frágeis
Guerreiros são meninos
No fundo do peito...

Precisam de um descanso
Precisam de um remanso
Precisam de um sono
Que os tornem refeitos...

É triste ver meu homem
Guerreiro menino
Com a barra do seu tempo
Por sobre seus ombros...

Eu vejo que ele berra
Eu vejo que ele sangra
A dor que tem no peito
Pois ama e ama...

Um homem se humilha
Se castram seu sonho
Seu sonho é sua vida
E vida é trabalho...

E sem o seu trabalho
O homem não tem honra
E sem a sua honra
Se morre, se mata...

Não dá prá ser feliz
Não dá prá ser feliz...

08/04/2010

Desmoronamento

Desmorona minha vida como tantas vidas,
Sobre tantas vidas.
Muitas delas ainda não vividas,
Só sonhadas,
Imaginadas.
Mas nunca se imagina que as pedras vão rolar,
Matando a ilusão do lugar ao sol de cada um
Em meio a tanta chuva.
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Eis o Bumba. Bomba, meu Pai! Bomba!

06/04/2010

Experimente!

Quem foi que disse que essa comida tem gosto ruim?
Fique imaginando o pior e deixe mesmo de gostar.
Vai ver que o mal é não experimentar.

Ouça,
Veja,
Cheire,
Toque e
Prove.
Experimente!

Mas atenção:
Com moderação!
Porque o gostar
É uma condição:
Social definição.
E não gostar,
Reprodução
Do que aí está.

Melhor que experimentar,
É repetir.
Isso sim que é gostar!
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Em sã consciência, niguém quer repetir uma experiência ruim.
Mas quando é boa...
Se lambusa;
Se maxuca.

04/04/2010

Busca

Foi a pé pelo caminho empoeirado de terra rachada. Foi em busca de água. Lata vazia na mão. Foi olhando a paisagem: quanta desolação! Chegou a pensar que seu deserto fosse natural, que seus olhos sempre veriam tudo igual. Dormiu no chão. Seguiu sem direção. E depois de longa jornada com o sol na cara, viu o verde que mata. Achou que tivesse morrido. Mas logo abriu um sorriso e viu que a diferença era real (ou dolar, ou outra moeda qualquer), que vivemos numa sociedade desigual. E que a transposição do mapa pode não significar nada além de cansaço e reencontro. Ele reviu os amigos em palafitas. Abraçou familiares no chão, enquanto estendiam as mãos. E se deu conta de que a vida ali era ilusão. E pensou se era melhor morrer de sede ou afogado. Isso não era pra ele não. Resolveu, então, voltar pra terra. Mas encontrou alguém que prometeu mais ilusão. Como todo sujeito sem direção, acreditou no discurso e pagou caro então. Foi parar na terra livre do amor: conheceu a dor da solidão e teve que encontrar solução. Tão longe de sua origem e tão próximo de seu destino final! Plantado no chão estranho para sempre. Não morreu de sede. Morreu de nossa morte natural: só.

03/04/2010

Tipos de poder político

Sobre os tipos de exercício do poder político é correto afirmar que no Brasil hoje vivemos numa:
A) Aristocracia, "governo dos melhores".
B) Cleptocracia, "governo dos ladrões".
C) Democracia, "governo do povo".
D) Oligarquia, "governo de poucos".
E) Plutocracia, "governo dos ricos".
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Resposta: Como está cada vez mais difícil apontar qual seria a resposta certa, essa seria uma questão impugnável.