30/04/2007

Nomes


Os nomes são nomes.
São mais que nomes:
São identidades,
São vidas,
São pessoas,
De carne e osso,
Com sentimentos,
Interesses e
Vidas próprias,
Mesmo que dominadas.
Márcio, Fábio, Flávio,
Carlos, Marcos, Sávio,
Juliana, Luciana, Ana,
Sabrina, Valéria, Mariana...
São nomes,
São vidas.
Mesmo na multidão.
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O mês acaba com uma sensação de incompletude.

09/04/2007

O tempo não cura!


Insisto em dizer que precisamos tratar nossas mazelas, sociais ou individuais, como mazelas. Não dá é pra esparar que as coisas se resolvam por si mesmas. Problemas para serem resolvidos e não voltarem a ocorrer pelos mesmos motivos que os deram causa, precisam ser reconhecidos (diagnosticados), analisados (discutidos) e enfrentados de peito aberto (tratados).
Existem algumas expressões que estão na boca dos brasileiros e que revelam um de nossos problemas como brasileiros: nossa dificuldade de enfrentar de frente os problemas da vida. As expressões a que me refiro são: "O que não tem solução, resolvido está"; "O tempo cura tudo!"; "Eu dou um boi para não entrar numa briga. Mas, uma boiada para não sair".
Alguns autores vão chamar a atenção para a "inércia" da sociedade brasileira diante dos fatos da vida, da história. Outros autores vão nos classificar de conformistas, alienados, expectadores, acomodados e até bestializados. Independente dos porquês que explicariam a nossa condição de inércia, como o medo da repressão, por exemplo, precisamos estar conscientes da nossa dificuldade de entrarmos na luta. Somos mais chegados a "ver a banda passar" do que a fazer a hora e não esperar acontecer. Por isso, precisamos criar meios para estimular os indivíduos à participação social e, fundamentalmente, a não esperar as coisas acontecerem, porque, como o título desta postagem diz, o tempo não cura nada.
Achar que o tempo cicatriza tudo é varrer os problemas para debaixo do tapete. Eles continuarão ali, só esperando alguém descobrí-los. Não dá pra continuar a vida sem considerar as perdas de um problema não resolvido, ou mal resolvido. Se é um problema pessoal ele precisa ser colocado em pratos limpos e discutido abertamente. Se é um problema social, precisamos conhece-lo e resistirmos à tentação de reproduzí-lo, de vivermos "como nossos pais", como cantou Elis Regina.
Deve ser enfrentado por nós as heranças do regime escravocrata, os traumas das ditaduras e o mal-estar nas relações familiares, por exemplo. O tempo não é nosso aliado nesse enfrentamento. Pelo contrário, é nosso algoz: quanto mais o tempo passa mais os problemas vão se enraizando na alma e vai ficando mais difícil se libertar deles.

08/04/2007

Militares nas ruas



Antes que me acusem de reacionário, conservador e outros bichos mais, quero dizer que o título desta postagem não tem nada a ver com um chamado pela volta dos militares. Pelo contrário, o leitor que for perseverante e continuar na leitura até o final verá que meu propósito é outro, banir os militares, e suas heranças (ver postagem anterior), de uma vez por todas da sociedade brasileira.
Penso que só podemos tratar e resolver nossos problemas sociais se admitirmos que eles existem. O problema do autoritarismo na sociedade brasileira não é um problema dos governos, mas da sociedade. Portanto, é a sociedade que precisa dar conta desse mal. Não podemos é fingir que ele não existe, que não somos marcados pelo autoritarismo, que de vez em quando somos tentados a usar saídas autoritárias para apaziguar problemas em nossas relações sociais ou somos vítimas desse autoritarismo. Aqueles que ocupam alguma posição de poder, ou que acham que têm algum poder, são seduzidos a reproduzir a lógica de autoritarismo a que estamos historicamente submetidos.
A Alemanha de Hitler produziu algo pela qual veio a se envergonhar depois. E não foi uma vergonha espontânea, mas politicamente provocada. Os alemães são chamados a olhar e rever todo o mal que produziram para com a humanidade. E esse chamamento é também impositivo: é um "olhe bem o que produzimos e envergonhemo-nos disso para não repetirmos o erro".
Se não agirmos assim também em relação às nossas próprias mazelas, não nos conscientizarmos que produzimos também o mal e não nos envergonharmos disso, provavelmente voltaremos a produzi-lo. Não podemos, portanto, mascarar a ditadura militar que tanto mal causou à nossa sociedade. Precisamos expurgar nosso "pecado" confessando-o e abandonando-o. Se não queremos mais as ditaduras militares no poder, precisamos abrir os arquivos da repressão e conhecer os fatos daquele período histórico. Precisamos ser confrontados com a realidade para parar de criar mitos e acreditar neles. A abertura dos arquivos é contrária à famosa ação atribuída a Rui Barbosa em relação à escravidão (queimar os arquivos da escravidão para fingir que ela não aconteceu).
Mas antes da abertura dos arquivos, precisamos parar, já, de reverenciar o criminoso, o grileiro, o dedo-duro, o torturador, o ditador etc. Uma das maneiras pelas quais homenageamos essa gente que não merece honra depois de morta, até porque nunca tiveram em vida, é dando nomes de ruas, praças, escolas, prédios e espaços públicos em geral.
Confesso que me envergonho do período de ditadura militar e quero que a sociedade como um todo seja politicamente levada à mesma atitude de envergonhamento. Chega de nomes de militares tomando lugar nas esquinas, indicando nomes de ruas! Chega de homenagens a pessoas que escolheram viver e reproduzir a cultura autoritária! Não quero ver os militares nas ruas mais. Nem nos nomes das ruas. É preciso começar as mudanças de algum lugar.

07/04/2007

Herança


Vou fazer uma pausa na série que venho produzindo sobre as músicas de protesto para falar de outro tema que tem me intrigado ultimamente. Alguns historiadores e cientistas sociais trabalham com a noção de herança histórica. No Brasil, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro trabalham, claramente com esta noção, atrelando a realidade brasileira e seus problemas ao passado, principalmente ao modelo português de Estado e de relações sociais e culturais. Segundo estes autores, o Brasil é o que é porque é filho de Portugal, carregando consigo todas as mazelas e virtudes de seu "pai".
Herança é uma instituição jurídica. E está claro juridicamente que uma herança não é de aceite obrigatório por parte do futuro herdeiro. Só herda quem quer. Ninguém é obrigado a herdar nada, podendo recusar a realização da vontade última daquele que deixou testamento. O que pode acontecer é o silêncio pressupor o aceite da herança. "Quem cala consente", não é assim que dizemos?
A questão que se coloca, então, é que se Portugal deixou alguma herança para o Brasil, de certa maneira, aceitamos esta herança, mesmo que pela nossa inércia. E pior, talvez tenhamos gostado, nos lambusando com estas heranças portuguesas. Isso vale para a vida individual também.
Podemos lutar contra as heranças do passado, podendo ficar livres da bola de ferro que carregamos sem saber, herança deixada por nossos pais: sentimentos, temperamentos, traumas, visão de mundo etc. É difícil resistir a essas heranças históricas porque o primeiro passo para isso é conscientizar-se de que elas existem. E normalmente nem sabemos que elas existem e que são "heranças", porque nos são passadas silenciosamente. Só conscientes das heranças (boas ou ruins) que trazemos amarradas no tornozelo é que poderemos realizar alguma transformação pessoal. O que não podemos é reproduzir comportamentos sem entender, nem querer entender, de onde eles vêm.
Bom trabalho!

05/04/2007

Repressão e criação


Os anos de repressão militar foram anos muito criativos para a música brasileira, em particular para a música de protesto. Em parte porque os militares, contraditoriamente, não deram importância aos artistas nos primeiros anos do regime. Só posteriormente, a partir do governo Médici (1969), é que se intesifica a perseguição e censura aos artistas. Aí os músicos aumentam a criação de canções para confrontar o regime militar, de uma maneira velada e inteligente para não correr riscos maiores. É dessa época as maiores criações musicais de protesto, como o discos "Construção" e "Apesar de você", de Chico Buarque, e Tropicália, de Caetano, Gil e cia, entre outros discos e músicas importantes no cenário da música de protesto.

Se os anos de repressão foram anos de muita criatividade musical, isso não quer dizer que não tenhamos tido músicas criativas sem regimes repressivos, nem que todas as músicas produzidas naquele período tenham sido criativas e engajadas politicamente. Muito menos que precisamos ter de volta o autoritarismo para voltarmos a produzir músicas de protesto no Brasil. Alguém me disse dia desses que "a mediocridade musical que vivemos decorre da falta de inimigos políticos, como os militares foram para a classe artística daquele período". Ousei discordar e inverter o argumento: talvez tivéssemos mais inimigos políticos se fossemos politicamente mais engajados. Quer dizer, a ação dos militares foi imprescindível para a criação musical brasileira, mas além disso, a criação musical brasileira foi um calo no sapato dos militares. A música de protesto no Brasil ajudou a demarcar o terreno político da época, com efeitos sobre toda a sociedade e, em partcular, sobre a juventude da época. Meu argumento é que se tivermos mais compositores e músicos engajados politicamente, teremos, em contrapartida, regimes políticos mais furiosos com a atuação dos músicos-políticos. Problemas sociais não faltam para protestarmos, mas onde estão os músicos-políticos? Se vivemos num marasmo musical, em termos de músicas de protesto, isso decorre mais de nossa apatia política. Até a próxima!

01/04/2007

Música de protesto nos anos 90


Com o fim do socialismo real, simbolizado na queda do muro de Berlim, em 1989, ruiram-se também as utopias de um mundo melhor a partir da participação política. Na música de protesto, o fim das utopias políticas também aparecerem. Na década de 1990, a música de protesto não deixou de existir, mas as críticas já não eram a sistemas políticos e problemas sociais de grande porte, mas a problemas pessoais enfrentados cotidianamente. A juventude dos anos 90 não deixara de protestar, mas perdera a dimensão histórica do protesto em vista de protestos contra pontos específicos do dia-dia das cidades grandes, como a moda, o corte de cabelo, a chatice do vizinho, o barulho dos automóveis, a violência urbana etc. A crítica política foi jogada para dentro do indivíduo que precisava agora resolver suas mazelas cotidianas antes de querer mudar o mundo. Não se estava mais interessado em transformar a realidade social do mundo, mas em criticar a realidade social do indíviduo urbano. Temas caros ao romantismo volta nos anos 90 como uma tentativa de obtenção de algo que fora perdido: a tranquilidade do interior, o verde da paisagem e a amizade, por exemplo.
Passamos a viver numa sociedade fragmentada e cada vez mais individualizada. A solidão das pessoas é expressa nas músicas de protesto dos anos 90 como algo angustiante. A angústia cantada era a angústia vivida também pelos músicos, pessoas sujeitas à mesma solidão que qualquer um. Tanto que alguns músicos tentaram se sucidar e que outros conseguiram cometer suicídio, como Kurt Cobain (Nirvana) e Michael Hutchence (INXS). Tivemos também nos anos 90 o aparecimento e o desaparecimento de inúmeras bandas de rock e de alguns movimentos musicais, como o grunge.
Muito dessa influência dos anos 90 ainda estão presentes na música de protesto dos dias de hoje. Principalmente a redução do horizonte político para as coisas do cotidiano. Mas hoje já há uma tentativa de alargar novamente a visão política e o alcance da música de protesto, principalmente por conta da chamada Globalização. Mas este é outro assunto.