Vou fazer uma pausa na série que venho produzindo sobre as músicas de protesto para falar de outro tema que tem me intrigado ultimamente. Alguns historiadores e cientistas sociais trabalham com a noção de herança histórica. No Brasil, Sérgio Buarque de Holanda e Raymundo Faoro trabalham, claramente com esta noção, atrelando a realidade brasileira e seus problemas ao passado, principalmente ao modelo português de Estado e de relações sociais e culturais. Segundo estes autores, o Brasil é o que é porque é filho de Portugal, carregando consigo todas as mazelas e virtudes de seu "pai".
Herança é uma instituição jurídica. E está claro juridicamente que uma herança não é de aceite obrigatório por parte do futuro herdeiro. Só herda quem quer. Ninguém é obrigado a herdar nada, podendo recusar a realização da vontade última daquele que deixou testamento. O que pode acontecer é o silêncio pressupor o aceite da herança. "Quem cala consente", não é assim que dizemos?
A questão que se coloca, então, é que se Portugal deixou alguma herança para o Brasil, de certa maneira, aceitamos esta herança, mesmo que pela nossa inércia. E pior, talvez tenhamos gostado, nos lambusando com estas heranças portuguesas. Isso vale para a vida individual também.
Podemos lutar contra as heranças do passado, podendo ficar livres da bola de ferro que carregamos sem saber, herança deixada por nossos pais: sentimentos, temperamentos, traumas, visão de mundo etc. É difícil resistir a essas heranças históricas porque o primeiro passo para isso é conscientizar-se de que elas existem. E normalmente nem sabemos que elas existem e que são "heranças", porque nos são passadas silenciosamente. Só conscientes das heranças (boas ou ruins) que trazemos amarradas no tornozelo é que poderemos realizar alguma transformação pessoal. O que não podemos é reproduzir comportamentos sem entender, nem querer entender, de onde eles vêm.
Bom trabalho!