30/10/2010

Atalho

Conhecer alguém,
Envolver-se com alguém,
É tomar um atalho pra longe de si,
Agradar mais o outro que a mim.
E quem disser que aí não há liberdade,
É porque nunca amou de verdade.

Afastar-se de si,
Perder-se na realização dos planos,
E dos sonhos,
Parece ser nosso destino certo.
Ou procurar ter alguém por perto.

Amar é perder-se com alguém,
Perder-se em boa companhia.
Todo dia.
Com agonias e alegrias.
E vale a pena!

29/10/2010

Quando pensar é demais

Relacionar-se dá trabalho,
Nos deixa quebrantado,
Angustiado,
Mas também empolgado,
Renovado.
Pois não há conhecimento sem dor,
Não há pertencimento sem cessão,
Sem cisão.
Não há relação que prescinda de reflexão;
Não há duração sem reconsideração.

Quem foi talhado pra pensar,
Não consegue deixar de matutar.
Assim como quem foi condicionado a viver,
Não quer pensar em morrer.
Ou quem aprendeu a dançar,
Não consegue parar.

Pensar,
Morrer,
Parar,
Parecem carregar em si essa noção estática,
Que hoje apavora a prática.

Evitamos o pensamento
Como evitamos a morte e a inação,
Como forma de alienação.
E preferimos a prática,
A vida e a ação.
E isso produz aceleração:
Pois não há pensamento que possa superar a experiência.

Mas sei bem quando pensar parece demais:
Quando nos faz voltar atrás.
Afinal, em meio a tanta aceleração,
Voltar atrás parece contra-mão,
Quando só temos os olhos no próprio dedão;
Ou quando o adiante se torna obssessão.

Aí, o melhor a fazer é mesmo relaxar.
O melhor é aproveitar,
Como se o feitiço fosse iminentemente acabar.
Vive-se pouco,
Vive-se intensamente.
E deixamos de ser gente,
Deixamos de pensar
E de nos importar.

Mas uma coisa boa de não pensar,
É não se responsabilizar,
É não se dedicar a criar e recriar,
E nem brigar;
É não precisar entender,
Nem ceder;
É não conhecer.

Mas aí volto ao velho dilema anarquista:
Haverá futuro?
Ou, atualizando:
Relacionar-se sem responsabilizar-se
Não é um consumo do outro?
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Pretendo considerar uma resposta possível para essas questões finais na postagem de amanhã, partindo de um paradigma sonhador/idealizador que seja factível/realizável por cada um com cada um, conjuntamente entre nós. E vou falar do que sei, apesar de saber que nem sei. Apesar da dor que causo no outro por não saber realizar o que sei. E causo a dor no outro pra me proteger da dor em mim. Isso é egoísmo, falta de responsabilidade e intolerável. Mas é o amor o mistério que nos permite continuar, apesar de tanta dor. E quando deixar de acreditar no amor, deixarei também de tentar vivê-lo. Aí será o fim.

26/10/2010

Faça o certo?!

Às vezes é melhor fazer o certo.
Mesmo que ele não esteja por perto.
Mesmo que não exista o certo
Ou que ele seja incerto.

Às vezes a convenção é a própria realidade.
E aí não se apresenta nunhuma outra possibilidade,
Além da submissão
Ou da punição.
Ou os dois ao mesmo tempo,
Como uma forma de tormento.

Quando a gente não quer enfrentar,
O melhor é dissimular
Ou abandonar.

Mas quando se tem paixão pelas verdades,
Não satisfaz as amenidades:
É preciso ir fundo e desvelar as vontades
E revelar as verdades.

Mas quando a gente não pode enfrentar,
O melhor é acreditar.
Ou abandonar.

Penso que fugir é também resistir.
Fujo com quem quiser.
Fujo com quem puder.
Fujo pra bem longe
E trago comigo o que me consome.

Descubro que o mal está em mim
E que esse espírito malvado precisa sair.
Mesmo sem acreditar,
Preciso concordar
E me dissuadir,
Como um palhaço que vê o público aplaudir
Sem mesmo entender porque se está ali.

A segurança está aí:
Em que ser diferente
Produz desconforto nessa gente temente.
E eu que sou demente,
Preciso extrair a serpente
E seguir crente,
Carente
E insuficiente.
E isso é intransigente.

Penso que fingir é também garantir.
Finjo com quem quiser.
Finjo com quem puder.
Finjo pra ir longe
E trago comigo quem me consome.

Não há medo que justifique o fim.
Não há desejo que justifique o fim.
Aplacar, amansar, adestrar, castrar e controlar
É sempre melhor que arriscar?

E quando a gente foge,
Diz amém.
E quando a gente foge,
O dominador também.
E tudo se mantém.

É confortável seguir:
Faça o certo!
Crê no credo!
Viva o perto!
Morra o resto!

E depois abra os olhos
E não enxergue sua vida continuar.

É desconfortável resistir:
Faça ereto!
Pense o credo!
Prenda o reto!
Solte o verbo!

E depois feche os olhos
E veja seu próprio cadáver acabar.

Quando a razão faz parar o coração,
O medo paralisa a ação.
E aí não tem jeito,
O mal já está feito:
A técnica ataca
E a arte se mata.

Não recrimino a fuga,
Ela também é coragem.
Mas duvido que o medo
Encontre o amor.


Sinto por sua apatia.
E me ressinto da falta de alegria.
Lamento!
Está tudo perdido.

25/10/2010

Vai!

Vai!
Vai em paz!
E traz de volta a minha paz.
E vê que a vida é o que se faz.
E vê que a vida é o que apraz.

Volta!
Volta atrás!
E leva embora o que me jaz.
E vê que a vida é o que se faz.
E vê que a vida é o que apraz.
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Essas duas últimas postagens escrevi inspirado na música "Perder ou Ganhar", de Paulinho da Viola, que diz assim:
Perdi, mais uma vez,
Agora quero prosseguir em paz.
Tanto que falei, voltei,
Mas, obrigar jamais.

Fazer o que eu fiz,
Nem adianta contar.
Tudo de bom pra você
Eu desejo,
Porque sei perder e ganhar.


Felicidade há de voltar para mim.
Vou me livrar da tristeza,
Com toda certeza,
Um dia ela pode ter fim.

A leitura da letra da música não substitui ouvi-la cantada pelo filósofo Paulinho da Viola, com toda a força e velocidade das batidas que parecem tentar nos convencer (à força) da "verdade" contida na letra.

24/10/2010

Jogo do amor

"Azar no jogo, sorte no amor",
Já dizia o cantador.
Como nunca reconheci o "jogo do amor",
Já me acostumei à dor.
Aliás, nunca aprendi a jogar,
Não aprendi a ganhar.
E perco cada partida com um sentimento de inutilidade,
De não saber onde errei,
Sem aprender nada além do que sei.
Provavelmente cometerei os mesmos erros da próxima vez.
Se é que haverá próxima vez.
Mas um dia serei derrotado de vez.
Sem chance de revanche.
Talvez o erro não seja meu.
Mas também não é seu.
Talvez nem haja erro.
Só razão para tudo.
Só razão pára tudo.
Só razão.
Só!
Já é o bastante.

23/10/2010

Repressão e subversão

Sou fechado.
E me abro de modo figurado;
E falo de modo sussurrado.
Como quem prende o que não se pode aprisionar.
Como quem sabe que nem tudo se deve desejar.
E se envergonha do que não deveria envergonhar.

Mas tenho em mim uma força subversiva,
Capaz de abrir e fechar ferida.

22/10/2010

Tudo ou nada

Se há alguém que atrapalha meu trabalho,
É você.
Se há alguém que me torna criativo e estimula meu trabalho,
É você.
Você é tudo.
Você é nada.
Ser tudo ou nada
Depende sempre de você.
Se é que existe liberdade!

21/10/2010

Sofrer e fazer sofrer

Sofremos na alma o que produzimos no outro.
Produzimos no outro o que sofremos na alma.
Recíproca produção,
Sem nenhuma opção.
E quando a alma sofre,
O corpo se recente.

Ah, e o(s) outro(s) também.
________________________
Me at 10 (from family suite), gravura da artista inglesa Tracey Emin, que retrata o corpo de forma dessacralizada.

20/10/2010

Lance

Esse é o Lance.
Um vencedor:
Venceu corridas;
Venceu na vida;
Venceu o câncer
Venceu a morte.
E voltou.
E se reencontrou.
Esse é o Lance!

Também já fui assim,
Também venci,
Também voltei.
E me reencontrei.
Também tenho esse lance dentro de mim.
Sempre foi assim:
Meu lance é total, integral.
E vivo esse lance como se não fosse ter fim.
*****************************************************
Um lance pode ser só um lance,
Mais um lance.
Ou pode ser o lance final,
Impondo o fim do jogo afinal.
Como caracterizar esse lance?
O que esperar desse lance?

19/10/2010

Perda de tempo

Desde muito novo tive relógios. Desde aquele reloginho clássico do Mickey, em que os ponteiros são seus braços, até relógios digitais à prova d'água. Nem sei se gostava de relógios, mas sempre os tive comigo. No dia 27 de agosto de 1992 fui assaltado junto com mais dois amigos quando ia para a escola. Roubaram nossos relógios. Desde esse dia o tempo parou pra mim. Fiquei doze anos sem comprar nem usar relógios. Quando comecei a trabalhar ganhei um relógio de minha mãe. Usava-o para controlar o tempo das aulas. Mas confesso que nunca usava o relógio o tempo todo. Dezoito anos após o assalto que sofri, ganhei outro relógio, mas continuo com o mesmo costume de tirar o relógio quando chego em casa. Estive pensando sobre essa minha indisposição com as horas e percebo que esse é um problema comum nos dias de hoje: num momento em que tempo é dinheiro, os ponteiros do relógio se tornam algozes da liberdade e da vida. Mas no meu caso, há ainda outros agravantes: como sou filho único, nunca contabilizei muito o tempo, sempre tive o tempo a meu dispor; e pra piorar, quando tive uma doença grave o tempo parou de vez, parecia que vivia o mesmo dia todo dia, com os mesmos rituais de tratamento e pouca expectativa de ver o futuro chegar. Hoje sei que o tempo passa para todos e que pretende meu fim também. Agora sei valorizar cada segundo e quero jogá-los fora um a um. Continuo sem usar relógios fora do ambiente de trabalho e agora quero desperdiçar todo tempo que não tenho. Quero deitar no chão pra ouvir música, ler um livro ou pensar na vida. Sem pressa. Sem fim.

18/10/2010

Insatisfação e perda

Temos duas mãos,
Mas escrevemos com uma só.
Temos duas pernas,
Mas chutamos com uma só.
Temos dois olhos,
Mas preferimos não enxergar.
Essa é nossa completude incompleta:
Temos tudo e queremos menos;
Temos nada e queremos mais.
Valoramos o que não temos;
Desvalorizamos o que não temos.
Qual o valor da inteligência?
Qual o valor da companhia?
Do corpo?
Do abraço?
Do beijo?
Do outro?
Desse outro almejado,
Esperado,
Desejado,
Conquistado e...
Desvalorizado,
Abandonado,
Coisificado,
Tornado mobília,
Patrimônio,
Propriedade particular.
Perdido.
Perdido em alguma curva,
Em alguma mudança.
Mas é sempre possível encontrar um Outro.
Mesmo que no mesmo.
Se houver tempo.

17/10/2010

Abismo

Um pai levou seu filho para conhecer o mundo. Apresentou-lhe tudo, cada detalhe, e explicou o que eram as coisas. Depois de caminhar dois dias inteiros, com apenas pequenas paradas pra comer e descansar, chegaram a um abismo profundo. O filho imediatamente perguntou o que era, ao que o pai respondeu que era o fim. O filho, incucado com a resposta evasiva do pai, insistiu:
- "Mas o que é o fim?"
O pai respirou fundo temendo não conseguir responder a pergunta tão difícil, dobrou-se na frente do filho e disse olhando nos olhos dele:
- "O fim é o final de tudo, meu filho. É o ponto de chegada da existência humana, é quando tudo acaba. É importante que você se mantenha distante daqui para que viva seguro".
O filho acatou a resposta do pai, mas nunca se satisfez com ela. Anos mais tarde, depois que o pai havia morrido, aquele filho, agora adulto, voltou aquele abismo, levantou a cabeça e gritou bem alto:
- "Pai, você está aqui?"
Recebeu a seguinte resposta em forma de eco:
- "Aquiiiiiiiiii".
Aquele filho não teve dúvidas e desceu o abismo em busca do pai que imaginava estar em algum lugar do outro lado. Andou muitos dias e muitas noites, mas não encontrou o pai. Mas, de repente, percebeu que desbravara o abismo, que o fim não era assim tão definitivo, que era um mito. E encontrou vida do lado de lá. E nunca mais quis voltar.

16/10/2010

Razão dormente

Se não fosse sua razão,
Eu perderia a minha.
Se é que já não perdi.
Mas em perdendo a razão,
Não se perde mais do que se ganha.
O elogio da cautela é para manutenção.
E só há mudança na rebelião.
Mas pra mudar é preciso querer.
É preciso enfrentar
E arcar.
Mesmo sem razão.

Não há mudança sem dor.
Mas dessa dor nascerá uma flor.
Uma só:
Suficiente,
Inteira,
Única.
Brotando do solo árido,
Como um milagre.
Até ser árvore,
Floresta
E pó.

Tudo acaba um dia.
Até o dia.
Nos tempos de hoje,
A razão já era!
Descartes morreu!
E isso também é racional.
Sim, "O sono da razão produz monstros".
Mas quem tem medo de monstros?
Não há razão razoável para arrazoar sobre o fim.
Só o medo paralizante que a razão produz.
_________________
Imagem da gravura clássica do espanhol Goya.

15/10/2010

Uma poesia universal

Queria uma poesia universal. Então pensei que poderia falar do amor. Mas aí lembrei que há sociedades em que não há amor. Não esse nosso amor romântico.
Então pensei numa forma de compensação: na possibilidade de escrever sobre o perdão. Mas aí lembrei que nem sempre se concede o perdão. E nem sempre se recebe o perdão.
Resolvi então escrever sobre a dor. Não há sociedade que não saiba o que é uma perda dolorosa, uma angústia. Então, queria que fosse um texto simples: com uma simplicidade rasa o suficiente para deixar a dor ser sentida intensamente. E achava que quanto menos palavras utilizasse, mais universal seria. Pensei no seguinte:
Soledad es muerte.
Einsamkeit ist der Tod.
Loneliness is death.
La solitude est la mort.
La solitudine è la morte.
孤独は死です。

Enfim, muitas maneiras de escrever assim, sem rima, uma mesma verdade universal:
Solidão é morte.


Só.

14/10/2010

Ridículo

Talvez esteja sendo ridículo.
Talvez seja.
Mas quem entende a dor da saudade
E pode suprir essa lacuna que está aqui,
Devorando a vontade de seguir,
Sem ser ridículo?
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"Quando você fica mais velho, o gosto das pessoas por desafios começa a minguar. (...) As pessoas com 30 anos parecem bem menos dispostas a arregaçarem as mangas e se envolverem em algo ridículo. Para mim, envolver-se em algo ridículo é a vida, porque a vida é ridícula". (Ian MacKaye, um dos grandes baluartes da música punk dos anos 70 e 80, com as bandas Minor Threat e Fugazi, em entrevista à revista Punk Planet de maio/junho de 1999). Amém!

13/10/2010

Arrogância

Sempre achei que não deveria buscar riquezas.
Nunca tive posses.
Sempre achei que deveria ser reconhecido e recompensado por ser quem sou.
Não sei o que é sucesso.

Sempre achei que os amigos deveriam me procurar.
Não tenho muitos amigos.
Sempre achei que não deveria correr atrás das mulheres.
Não tive muitas.

Sempre achei que não deveria pedir ajuda.
Não ajudei muito.
Sempre achei que não deveria deixar de ser o que quisesse.
Não sei quem sou.

Hoje aprendi que tudo isso é arrogância.
E tenho dificuldade de pensar e agir de modo diferente.
Eis a questão sobre esse meu problema:
Voluntarismo ou determinismo?
^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^^
Faço da segunda minha primeira opção.

12/10/2010

Angústia

Tenho pensado muito e escrito pouco nesses últimos dias. Na verdade nem tenho escrito pouco, tenho publicado pouco, já que considero escrever um ato burocrático: colocar no papel (ou no computador) o que se escreve primeiro lá dentro, na alma e na memória. E como não consigo parar de viver, também não consigo parar de escrever. Aproveito as experiências para refletir. Sempre fui assim.
Tenho umas quatro ou cinco postagens paradas. Para o desenvolvimento de algumas delas, falta-me coragem. Em outras, vontade. No meio da escrita de um texto abandono tudo, numa fuga do auto-enfrentamento que a escrita provoca em quem escreve. Mas não paro de pensar. É sempre assim.
Tenho uma pilha de CDs num pequeno armário da sala. Ligo o som querendo relaxar. Mas aí ouço músicas francesas e sou torturado pelo pensamento que não me abandona, e nem quero; ouço Gonzaguinha e a vida se intensifica, o que desejo; ouço Cartola e dissipo a crise, acontece. É a arte provocando a vida. E o texto vai se estruturando em algum lugar. Acho que sempre fui assim.
Tenho uma pilha de livros ao lado da cama e uma outra série de livros espalhados por lugares estratégicos da casa. Estou lendo uns cinco ou seis ao mesmo tempo, em momentos diferentes de cada dia. E me deleito em todos os eles, com cada um deles: Florestan, Melman, Wacquant, Adorno, Elias, Giddens... E ainda quero ler um Graciliano, um Kierkegaard, um Saramago e um Joyce, entre outros. E cada leitura realizada ou desejada desconstrói parte dos meus argumentos e me corrói. Acho que estou ficando doido. Talvez tenha sido sempre assim.
Não tenho nada que possa chamar de meu. Se precisasse sair por aí, carregaria apenas uma pequena mochila com poucos objetos pessoais. E muitas memórias e expectativas. Caminharia buscando me encontrar em algum lugar. Nem sempre fui assim. E essa liberdade assusta, aprisiona e liberta.
Escrevi esses parágrafos anteriores para mostrar que quando enfrento um dilema, enfrento; quando tenho uma esperança, espero; quando sinto medo, tremo; e quando vejo o fim, vejo um começo. E me orgulho de ser um eu conformado (pela classe) e inconformado (com a classe) ao mesmo tempo, construído e desconstrúido constantemente. Sempre em busca de uma maior autonomia e alegria. De uma outra poesia. Em busca de um novo amor.
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Tenho pensado muito e feito pouco. Ou feito pouco e pensado pouco. E se não tenho pensado é por fuga das consequências implicadas na ação. E se não tenho feito é porque penso demais.

10/10/2010

Cabana

Construí uma cabana na praia.
Ela é toda de bambu.

Lá não tem eletricidade,
Não tem água encanada,
Nem privada.

Lá não tem endereço,
Não tem fogão,
Nem televisão.

Lá não pega celular,
Não tem geladeira,
Nem frigideira.

Lá não tem fechadura,
Não tem cama,
Nem fama.

Só não digo onde é pra não lotar,
Pra algum conhecido não me ligar
Desejando ir pra lá;
Pra não atrapalhar
Meu descanso à beira-mar.

Mas essa cabana só tem um problema,
Que é o meu maior dilema,
Não tem você.

Por isso, já não sei se vou.
Pois sem você, não sou.
ç///;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;;////]]]]]]]]]]]]]]]
Enquanto escrevia essa poesia, meu filho Tito, que tem um ano e oito meses, entrou no escritório com seu irmão Pedro e apertou o teclado aleatoriamente. Resolvi manter na poesia a "sujeira" que ele produziu, para que no futuro ele saiba que viver é também conviver, que eu trabalhava enquanto eles circulavam em torno de mim. Que o erro faz parte da vida. E que nem sempre é o pior que pode acontecer. Pior que errar é não tentar. Tentei, tento e tentarei sempre acertar. Mas errei, erro e errarei mais do que gostaria. E estou muito feliz com essa minha condição errante, imperfeita, humana. Vamos em frente com força e sensibilidade. Sempre. Amo você!

09/10/2010

O melhor e o pior de mim

Você só tem o melhor de mim:
Minha angústia sem fim;
Minha barba por fazer;
Minha mania de escrever;
Minha dificuldade com temperos;
Minha casa cheia de filhos;
Minha flatulência pós-feijoada;
Minha visão embaçada...

Você só tem o melhor de mim:
Meu olhar pra dentro de si;
Meu bruxismo noturno;
Meu braço pesado sobre o corpo deitado;
Meu hábito de pensar;
Meu desejo de enrroscar;
Meu modo orgulhoso e arrogante de ser;
Meu medo incessante de ter...

Mas queria que você conhecesse também o pior de mim.
Que você conhecesse também o pior de mim.
Conhecesse também o pior de mim.
O pior de mim:
Mim.

Desfrutar é mais difícil que experimentar;
Amar é mais complicado que transar;
Conviver é mais doloroso que viver;
Refletir é mais trabalhoso que agir;
Ouvir é mais cansativo que falar;
Cada dia é mais duro sem você.
E como não me dedico a tarefas fáceis,
Quero tudo isso e mais.
Mais intensamente,
Você.

Mas não quero enganar você:
Será sempre difícil e possível.
Mas estou a fim
De enfrentar a morte;
De arriscar a sorte.
Nada já não é mais igual.
Nem eu, nem você.
+++++++++++++++++++++
Por antítese também se aprende.
Sou a sua antítese,
O seu contrário.
Contra tudo e todos.
Menos você.
E a vida vai voltar ao normal.
Um normal excepcionalmente agitado e dinâmico:
Caótico.
Anormal.

08/10/2010

É proibido desejar

O meu gosto está na noite.
E se gosto, tem açoite.

07/10/2010

Linha de chegada e premiação

Tentei tanto que tanto faz.
Perdi tanto que tento esquecer.
Mas as derrotas são mais inesquecíveis que as vitórias.
E venci.
Venci tantas etapas
E levei tantos tapas,
Que não quero mais correr,
Não quero mais competir.
Quero só descansar
E gozar.
Com liberdade
E responsabilidade.
Com você.
Esse é meu prêmio.

06/10/2010

Germes, fungos e bactérias

Milhões de germes, fungos e bactérias se encontram no canal.
Isso gera conflito:
O pau come!
E minha cabeça dói.
Quem disse que somos um?

05/10/2010

Embriaguez e insensatez

Quando as amaras se vão,
Você vem:
Meus dedos e olhos buscam você
Sem parar,
Sem pensar.
E é chato saber que se é chato,
Mas é bom conhecer esse fato:
A loucura liberta o amor.
O auto-controle
Aprisiona você.
E quando as amarras se vão,
Você vem.
Vem de vez,
Com toda lucidez
Duma embriaguez;
Cheia de graça,
Com toda raça,
E me abraça.

Essa minha embriaguez
Revela a minha insensatez.
E vou me acabando de uma vez.
--------------------
Desculpe-me por ser assim, tão ridiculamente apaixonado por você!

03/10/2010

Entorno

O meu entorno é a minha cara: o gosto é socialmente produzido e é definido pela posição e condição de classe. Estou junto da minha classe, conformando-me ao padrão esperado de mim.
O meu entorno não é a minha cara: eu não estou no controle, já que o condicionamento social na minha classe é maior do que nas classes altas. Aqui há menos liberdade. E nem sei se há.
O meu entorno precisa ser a minha cara: se o meu entorno não fosse a minha cara, provavelmente eu não me reconheceria e nem existiria. Sou uma formação e conformação da minha classe.
A vida do lado de cá é tão dramática quanto do lado de lá. Nisso somos iguais: vamos atrás dos nossos iguais, reproduzimos os valores iguais dos nossos iguais. E somos sempre mais do mesmo. Sem dúvida. Sem perceber.
Mas há uma pequena possibilidade de vencermos a distância que nos separa. Não sem consciência. Não sem resistência. Não sem luta. É com o fim dessa distância que eu sonho. E não temo as consequências.

02/10/2010

Imagem imaginada

Não acredite em tudo que vê.
Sou uma projeção da sua cabeça.
Sou sua esquizofrenia crônica,
Produto de sua apaixonite cômica:
Uma miragem
Ou uma assombração.
Enfim, uma alucinação.
Não existo senão como um modelo idealizado.
Não sou real.
Sou uma imagem imaginada por você.
Sou um ideal inatingível,
Inalcançável,
Irreconhecível,
Impossível.
Um não-lugar.
Não porque eu seja demais;
Não porque você seja de menos.
Mas porque, como todo ideal,
Sou uma ficção.
Não existo.
Não sem você:
Você que me dá vida.
Você que me inventou.
E me realiza a cada vez que me vê.
E não sei se realizo você,
E nem sei se quero saber.
Mas sei que o modo como me vê,
Me faz viver.

Não acredite em tudo que vê.
Embora a culpa não caia sobre você.
Talvez seja um trauma na alma:
Uma carência
Ou uma ausência.
Talvez seja ingenuidade
Ou coragem.
Talvez você precise de ajuda.
(E eu também)
Talvez você precise de óculos.
Ou de ósculos.
Tenho tudo aqui.

01/10/2010

De que adianta?

Estava um tanto quanto desgostoso da vida, principalmente com a velocidade exacerbada que nosso cotidiano tem assumido ultimamente (tornando a vida em sociedade extremamente díficil para as gerações mais velhas, que não conseguem acompanhar toda essa velocidade), e lembrei-me da poesia cristã do falecido músico Janires Manso, na música Coração Azul, que transcrevo abaixo:

"Já não se vê fitas coloridas pelo ar
Trazendo a esperança
Que as crianças voltaram do espaço
Que as crianças voltaram a brincar

Já não se lê lindas poesias nos jornais
Trazendo a esperança
Que os poetas voltaram do exílio
Que os poetas voltaram a sonhar

Também de que adianta fitas coloridas pelo ar
Se as pessoas não querem mais ver
Também de que adianta lindas poesias nos jornais
Se as pessoas não querem mais ler".

Vivemos num contexto de desvalorização da vida alheia. Somos levados a ter uma auto-imagem excessivamente valorizada numa sociedade em que o sucesso tornou-se o padrão de julgamento da vida: títulos, posses, conhecimentos, belezas etc. Essa auto-imagem distorcida de si mesmo e a obsessão pelo sucesso gera uma tendência a ver no outro um oponente a ser batido, um inimigo. E o pior é que aprendemos desde cedo a lógica da competição a todo custo. Mesmo que não haja objetivos para a disputa. Deixamos de agradar ao outro com medo de sermos dominados por esse sujeito. A só competição passa a ser a finalidade comum de todos. E nesse processo, vamos embrutecendo, deixando de lado a poesia, fechando os olhos para a beleza e leveza que a vida pode ter.
A solução apresentada por Janires na música para esse esfriamento que nos consome hoje é contrária à lógica da realidade em que vivemos: olhar pra cruz de Cristo como símbolo da libertação é contrário à lógica do sucesso. A cruz é a condenação, a derrota final. Mas Janires quer mostrar a transcendência da fé, encarnada na ação humana de amar a ponto de se entregar à morte em nome desse amor. Só a fé pode produzir uma ação tão radical como essa. Fé na transcendência do vivido, da existência, fé no amor para libertação do outro. O resultado é que essa fé alivia o coração e nos transforma em crianças inocentes (mas não ingênuas) e em poetas, capazes de sonhar um outro mundo possível. Segue abaixo o restante da letra:

"Olhe pra cruz de Jesus e sentirás
O amor de quem te amou demais
E deixe ele morar no seu coração azul
E seja uma criança a brincar

Olhe pra cruz de Jesus e sentirás
O amor de quem te amou demais
E deixe ele morar no seu coração azul
E seja um poeta a sonhar".

De que adianta sonhar? Só pela fé. Como diria Gonzaguinha: "fé na vida, fé no homem, fé no que virá; nós podemos tudo, nós podemos mais".
Está faltando poetas nesse mundo; está faltando inocência infantil; está faltando fé!
_______________
Só um detalhe para as gerações mais novas. Ouso explicar o coração azul que dá nome à canção da seguinte maneira: na década de 80 havia uma propaganda de um barbeador que era da cor azul e, na propaganda, as pessoas perguntavam umas as outras se estava tudo bem. A resposta era que estava "tudo bem; tudo azul!" A idéia era de que fazer a barba com aquele barbeador tornava a vida muito boa, muito confortável: sem cortes, sem sangue, sem dor. Como Janires é um poeta inserido em seu contexto (contextualizado), provavelmente a referência tenha sido essa. A crítica dele seria à limitação da vida boa oferecida por um barbeador, apresentando o encontro com Cristo como sinônimo de verdadeira alegria, uma alegria duravel. Essa expressão "tudo azul" é encontrada também na música de mesmo nome composta por Lulu Santos. Só não sei dizer se a música veio antes da propaganda ou o contrário.