19/10/2010

Perda de tempo

Desde muito novo tive relógios. Desde aquele reloginho clássico do Mickey, em que os ponteiros são seus braços, até relógios digitais à prova d'água. Nem sei se gostava de relógios, mas sempre os tive comigo. No dia 27 de agosto de 1992 fui assaltado junto com mais dois amigos quando ia para a escola. Roubaram nossos relógios. Desde esse dia o tempo parou pra mim. Fiquei doze anos sem comprar nem usar relógios. Quando comecei a trabalhar ganhei um relógio de minha mãe. Usava-o para controlar o tempo das aulas. Mas confesso que nunca usava o relógio o tempo todo. Dezoito anos após o assalto que sofri, ganhei outro relógio, mas continuo com o mesmo costume de tirar o relógio quando chego em casa. Estive pensando sobre essa minha indisposição com as horas e percebo que esse é um problema comum nos dias de hoje: num momento em que tempo é dinheiro, os ponteiros do relógio se tornam algozes da liberdade e da vida. Mas no meu caso, há ainda outros agravantes: como sou filho único, nunca contabilizei muito o tempo, sempre tive o tempo a meu dispor; e pra piorar, quando tive uma doença grave o tempo parou de vez, parecia que vivia o mesmo dia todo dia, com os mesmos rituais de tratamento e pouca expectativa de ver o futuro chegar. Hoje sei que o tempo passa para todos e que pretende meu fim também. Agora sei valorizar cada segundo e quero jogá-los fora um a um. Continuo sem usar relógios fora do ambiente de trabalho e agora quero desperdiçar todo tempo que não tenho. Quero deitar no chão pra ouvir música, ler um livro ou pensar na vida. Sem pressa. Sem fim.