29/10/2010

Quando pensar é demais

Relacionar-se dá trabalho,
Nos deixa quebrantado,
Angustiado,
Mas também empolgado,
Renovado.
Pois não há conhecimento sem dor,
Não há pertencimento sem cessão,
Sem cisão.
Não há relação que prescinda de reflexão;
Não há duração sem reconsideração.

Quem foi talhado pra pensar,
Não consegue deixar de matutar.
Assim como quem foi condicionado a viver,
Não quer pensar em morrer.
Ou quem aprendeu a dançar,
Não consegue parar.

Pensar,
Morrer,
Parar,
Parecem carregar em si essa noção estática,
Que hoje apavora a prática.

Evitamos o pensamento
Como evitamos a morte e a inação,
Como forma de alienação.
E preferimos a prática,
A vida e a ação.
E isso produz aceleração:
Pois não há pensamento que possa superar a experiência.

Mas sei bem quando pensar parece demais:
Quando nos faz voltar atrás.
Afinal, em meio a tanta aceleração,
Voltar atrás parece contra-mão,
Quando só temos os olhos no próprio dedão;
Ou quando o adiante se torna obssessão.

Aí, o melhor a fazer é mesmo relaxar.
O melhor é aproveitar,
Como se o feitiço fosse iminentemente acabar.
Vive-se pouco,
Vive-se intensamente.
E deixamos de ser gente,
Deixamos de pensar
E de nos importar.

Mas uma coisa boa de não pensar,
É não se responsabilizar,
É não se dedicar a criar e recriar,
E nem brigar;
É não precisar entender,
Nem ceder;
É não conhecer.

Mas aí volto ao velho dilema anarquista:
Haverá futuro?
Ou, atualizando:
Relacionar-se sem responsabilizar-se
Não é um consumo do outro?
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Pretendo considerar uma resposta possível para essas questões finais na postagem de amanhã, partindo de um paradigma sonhador/idealizador que seja factível/realizável por cada um com cada um, conjuntamente entre nós. E vou falar do que sei, apesar de saber que nem sei. Apesar da dor que causo no outro por não saber realizar o que sei. E causo a dor no outro pra me proteger da dor em mim. Isso é egoísmo, falta de responsabilidade e intolerável. Mas é o amor o mistério que nos permite continuar, apesar de tanta dor. E quando deixar de acreditar no amor, deixarei também de tentar vivê-lo. Aí será o fim.