12/12/2008

O sentido do público

Ontem publiquei uma poesia em que tratava o termo "público" em seus distintos sentidos, confundindo propositadamente seus significados. Aproximando e afastando os diferentes sentidos de "público". Na verdade, o que me inspirou foi algo que me revoltou, foi saber que o termo "público(a)" quando usado como qualificativo no Brasil, desqualifica: como em educação pública, saúde pública, concurso público etc.
Por vezes o público é sinônimo de "para pobre". De um empobrecimento daquilo que está sendo qualificado como público, ou desqualificado pelo público. A coisa pública (res publica) era o espaço de todos e para todos. Era origem e destino da ação que se realizava por todos e para todos. Hoje, o público é (do) pobre. E a pobreza de quem usa o pública parece desqualificar o serviço prestado, com raríssimas exceções. É assim na saúde e na educação públicas. Saúde e ducação para pobres, para esse poviléu que não se parece comigo, que não merce o que eu posso. Triste falta de identidade, triste fim da cidadania, que vem da idéia de igualdade de direitos, igualdade de acesso a direitos! O público já é pobre.
Mas por vezes o público tem significado ritual de acobertamento de interesses privados em nome do público. Alguns concursos públicos, por exemplo, são destinados a pessoas específicas: desde o edital até o resultado, passando pela formação da banca os destinatários da vaga aparecem evidanciados. Utiliza-se todos os simbolismos do "Poder Público" para realização de interesses particulares. Quem não conhece uma história assim? Os aprovados aprovam suas aprovações. Os reprovados reprovam a prova que não prova nada além da capacidade de articulação política dos aprovados. Talvez se queira aprovar o conhecido por medo do desconhecido. O desconhecido pode desistir, ameaçar ou matar. Antes que o desconhecido me mate, eu o mato, eu o reprovo, eu o descarto. Mato a possibilidade dele participar em igualdade de condições, de ver seus esforços (e gastos) compensados.
Nos dois casos a negação da palavra público(a) se dá pelos mesmos fundamentos identitários e éticos: eu não me reconheço no outro e, por isso, não o vejo como um igual; eu não me reconheço no outro e, por isso, passo a perna nele. Os servições públicos vão cada vez mais se destinando aos pobres e os direitos de todos vão se tornando privados, privatizados nas relações personalistas com o(s) poder(es). Triste falta de identidade com o outro! A falta de identificação com o outro gera a falta de respeito para com esse outro e seus direitos.
Vamos recomeçar!

11/12/2008

O Público

Para o ator o público pode ser sua inspiração.
Para o músico pode ser a fonta de seus aplausos.
Para o artista plástico pode ser seus próprios pares ou seu mercado.
Mas o público somos nós.
Todos nós:
Pares, mercados, inspirações.
O motivo de tudo é o público.
O problema todo somos nós.
Publico em seu nome.
Todos em tudo.
Razão de ser, mesmo sem razão.
Para todos, tudo.
Eu, tu, ele, nós, vós, eles.
Todos.
Tudo.
Nada.
Tudo ou nada é uma linha tênue.
Todo poder a todos.
Nenhum poder a ele.
Todo poder a mim.
Todo poder pode não ser poder.
Todo poder pode não poder.
Público Atônito.
Público paralisado.
Extasiado.
Público privatizado.
Privado.
Privada pública não tem dona.
Ninguém quer privada.
Ninguém quer o público.
Nem o artista se importa mais.
O público virou cash.
Virou trash.
O público privado não interage,
Não pensa,
não participa.
Só consome.
Só tem fome.
De público em público,
Privatiza-se o círculo.
O circo.
Ou qualquer espetáculo:
Receptáculo do expectado:
A mídia não é o público.
A mina não é o público.
Não é do público.
O público não publica
Porque não é mais público.
O público não transforma
Porque não é público.
O público já não tem poder.
Não tem poder público.
De todos.
Para todos.
Pára tudo!
Eu quero o público de volta.
Eu quero público.
Eu quero ser público.
Eu quero tudo
Para todos.
O público é do público.
O público publica.
O público quer,
O público faz.

20/11/2008

Consciência negra

Em 20/11/1998 escrevi o seguinte:

Violência,
Embarque,
Travessia,
Desembarque,
Separação
E dominação.

Violência,
Resistência,
Massacre,
Liberdade,
Segregação
E humilhação.

Violência.
Depois de tanta violência
Ouve-se a voz da consciência:
Daquele que grita,
Que exige,
Faz manifestação
E irrita.
E irrita porque o processo
É histórico,
Rígido,
Conservador...

Mas grita
E exige
Reparação:
Do sangue derramado;
Do pescoço degolado;
Do chicote estalado;
Do crime praticado.
Praticando violência;
Tomando consciência:
De seu valor,
De seu suor,
De seu passado,
De sua dor
E de sua cor.

Negro,
Teu sangue,
Vermelho,
Igual ao meu,
É que te dá valor.

25/10/2008

Beijos de chocolate

A mesma pessoa para quem escrevi a poesia postada ontem, mereceu outros poemitos de minha lavra. Todos eles estão guardados na pasta verde. O que publico agora foi escrito no dia 19/09/1996, a partir da experiência dos primeiros beijos trocados com ela. Faz tempo!

A gomos de mexerica,
Os teus lábios eu comparo.
Nessa doce cobertura...
Me acabo.

Seus doces gominhos mordo
Sem caroços encontrar.
Mas a calda de chocolate,
Teremos que repassar.

Entre sons e o silêncio,
Consegui encontrar
Sua língua pra me firmar.
Mas a sua também parece
Um sustento procurar.

Quantas vezes a beijar
Tantas vezes vou lembrar
Que nesse grande dia,
Os meus lábios foram adocicados
Por gomos achocolatados.

24/10/2008

Lábia pra quê?

Andei desenterrando alguns escritos antigos que estavam guardados numa pasta verde de plástico. Encontrei, por exemplo, uma poesia que fiz para uma paquera e que publico abaixo:

A língua afiada de um lagarto incauto,
Acaba o levando a um lúgubre lugar.

Oh...
Mulher incomum:
De curvas arrojadas,
Do cabelo encaracolado,
De óculos alaranjados,
Dos olhos arredondados
E dos lindos lábios lambeiros.

Não deixe que o ludibriante
Também consiga te levar.

Com laçadas apertadas
E carícias embaladas,
Com lúcidas lambidas
E com o embolar de nossas línguas,
Conquistarei o teu amor.
Eu tenho lábios.
_____________
Essa foi escrita em 24/10/1996. Fernando Pessoa tinha razão: apaixonados somos ridículos! Mas é necessário.

20/09/2008

A casa

A casa é só um desenho.
A casa é um projeto
Erigido e executado no papel.
Tinta sobre o nada,
Nada sobre nada,
Nada sobe não.
Só sonho
E ilusão.
Propriedade sem razão.
A própria idade
Impede a execução.
Fica no papel e cai no lixo,
Propriedade dos outros,
Terra do patrão.
E a vida segue sem razão,
Mas também sem ilusão.
Sem achar que um dia se consiga, então
A tão sonhada realização:
Cercar a terra,
Prender o mato
E matar a vida,
Que parada fica.
Estagnada lida:
Tudo aqui,
Sem poder sair.
Viva o sereno,
O ar no rosto!
Nele não há veneno,
Não há imposto.
$$$$$$$$$$$$$$$$$$$$
Esse poema é basicamente sobre meu temor de enraizar-me! Considero sempre a necessidade de circular. E no quanto uma propriedade imobiliza.

06/08/2008

Coração disparado

Meu coração parece não caber em mim,
Parece que vai sair pela boca.
A ansiedade parece que reduz a carcaça e expande os órgãos.
Tenho vontade de gritar.
Vai dar tudo certo?!

05/08/2008

Muda mudando

Foi a vida lá fora
Que mudou tudo aqui:
Outra expectativa,
Nova vida.
Sem medos,
Nem dengos,
Nem pudores.
Só prazeres.

30/07/2008

Sobre orgulho próprio

Há um provérbio bíblico que traz uma ilustração sobre cães que voltam ao próprio vômito. A passagem diz o seguinte: "Como o cão que volta ao seu próprio vômito, assim é o insensato que reitera a sua estultícia". Em palavras contemporâneas ficaria mais ou menos assim: "O tolo que faz uma tolice pela segunda vez é como um cachorro que volta ao seu próprio vômito". Penso que pode ser que em momentos de extrema fome talvez um cão lamba seu próprio vômito. Ou talvez um cachorro com algum tipo de doença. Mas como o objetivo dessa postagem não é fazer uma reflexão sobre cachorros, e nem sobre vômitos, acho que hoje entendi o significado de um provérbio como esse: provavelmente o sábio provérbio esteja falando mesmo é de orgulho próprio. Às vezes associamos o orgulho a um sentimento negativo. Mas quem disse que não é bom ter orgulho? E aí entendo esse orgulho como amor próprio, valorização de si mesmo, auto-estima equilibrada. Cometer duas vezes o mesmo erro é tão repugnante quanto lamber o próprio vômito. Sentir falta de quem não sente a sua falta (ou não demonstra sentir a sua falta) pode ser também um sinal de algum tipo de fome (carência) ou de doença. Ou pode ser uma relação sado-masoquista. Afinal, há quem goste. A quem interessar possa. Viva a liberdade de pensamento e de expressão!

05/05/2008

Viver-Sonhar-Viver

Se a vida não fosse como é...
Seria igual.
Como faz falta sonhar!
Imaginar e desejar
Uma outra vida,
Um outro lugar.
Pensar que as coisas estão como estão,
Mas não são.
Querer mudar.
Pra lá,
Pra cá...
Fugir de si.
E encontrar-se no outro.
Mesmo que um novo outro.
Produzir um novo eu.
Re - co - me - çar !
Viver...
Sonhar...
Viver-Sonhar!

24/04/2008

Carta a um amigo

Querido amigo,
Sinto-me participante da dor que você provocou e da que com certeza sentiu, e talvez ainda esteja sentindo, com tudo que passou. Sinto-me também culpado, achando que a nossa distância talvez tenha criado oportunidade para que tudo acontecesse desse jeito. Afinal, éramos tão unidos e presentes na vida um do outro... Fico pensando, "quem sabe se eu estivesse por perto"... Ou, "se eu procurasse mais os meus amigos"... Dizem que não devo carregar essa culpa, mas fico preferindo explicações que me coloque como co-participante das dores de vocês. E não consigo participar das consequencias sem também participar das causas. Fico achando que meu sentimento é incompleto, que minha omissão foi ainda maior.
Estou escrevendo para me desculpar pela ausência e para exortá-lo a erguer a cabeça e buscar acertar. A corrigir de vez os erros, afastando-se das causas, e recomeçar. Sei que recomeçar no mesmo lugar é difícil porque as coisas e as pessoas não nos deixam esquecer nossos erros. Por isso, sou a favor de radicalismos para a reconstrução da vida. Pois corrigir-se é dar meia volta, é mudar de rumo. E é também lançar tudo para o alto e recomeçar de novo outra vez. O pleonasmo é para reforçar a necessidade de zerar, de apagar e (re)começar. Sei, por experiência própria, que essa é uma atitude decisiva para quem quer recomeçar e que, embora pareça transloucada, trará consequências maravilhosas. Basta esperar.
Sinto muito!
Fuja para recomeçar!

29/02/2008

Homenagem


Hoje estou sendo homenageado pela turma de Servico Social que ingressou na UFES em 2004, da qual fui professor de Sociologia I. Foi uma turma marcante porque carinhosa e estudiosa. E olha que eu peguei pesado com eles, dando teorias sociológicas para análise das desigualdades sociais. Mas pelo jeito valeu a pena todo o esforço. Desejo todo sucesso pessoal a esses novos profissionais dedicados a minorar os problemas sociais brasileiros.
UM BRINDE A VOCES!!!

11/01/2008

Derrotas e Vitória

São tantas as derrotas,
São todas as derrotas,
Que nos faz pensar
O valor de uma vitória.
Uma vitória.
Aquela vitória.
Só será vitória
Se puder ser valorizada como tal.
Vitória de quem não sabe o que é derrota,
Não é vitória.
É cotidiano,
É rotina,
É vida corriqueira.
Só não é vitória.
Só conhece o gosto da vitória
Os que sabem o que é derrota.
Quem sabe o que é derrota?
Quem sabe o que é vitória?
Vitória é a realização de quem sabe o que é derrota.
Uma derrota.
Muitas derrotas.
Cem derrotas,
Uma vitória.
Sem derrotas,
Não há vitória.
Passo por todas as derrotas,
E são muitas derrotas,
Para aprender a valorizar uma vitória:
Uma vitória
Só é vitória porque
São muitas as derrotas.
Uma vitória,
Quando se sabe o que são derrotas,
Tem um sabor melhor do que
Todas as vitórias,
Quando não se sabe o que são derrotas.
Porque quando não se sabe o que são derrotas,
Não se sabe o que é vitória.
Nem uma vitória.
Nenhuma vitória.
Vivo as derrotas,
E são muitas derrotas,
Aguardando a vitória.
Uma vitória.
Uma vitória é mais intensa
Que muitas derrotas.
Chamam isso de esperança.
Chamo isso de certeza.
Certeza de que as derrotas não têm sentido em si mesmas.
Quem dá sentido às derrotas são os derrotados,
Futuros vitoriosos.
São vitoriosos
Quem sabe o que são derrotas.
E a vitória que se espera,
Mesmo em meio às derrotas,
Nos faz prosseguir,
Aprender e caminhar.
Rumo a uma vitória,
Que só sabe o valor
Quem sabe o que são derrotas.
Vitória sem derrotas
Não tem sabor de vitória.
E só é vitória
Porque pôde ser valorizada como tal,
Graças às derrotas.

09/01/2008

Pensa e sofre

Só quem pensa na vida
Sofre na alma.
Só quem sofre na vida
Pensa na alma.

06/01/2008

Paixão

Apaixonar-se é uma perda de tempo.
Quem disse que me importo com o tempo?

03/01/2008

Pare tudo agora!

Faça silêncio e ouça os sons.
Abaixe a cabeça e curta o chão.
Abra os olhos e veja os tons.
Abra a boca e prove bem devagar.
Levante a cabeça e imagine voar.
Feche os olhos e sinta a brisa passar.
A velocidade do mundo você que faz.

01/01/2008

Re-ver e re-viver!



Foi um ano como muitos, cheio de alegrias e com algumas tristezas. Pensar no que passou, fazer um balanço da vida até aqui, das coisas boas e ruins que aconteceram nos últimos 365 dias, é mais um daqueles exercícios de que não podemos escapar. Qual foi o saldo de tudo que passou?

O exame de nossas experiências depende, entre outras coisas, de saber quão marcante uma experiência foi na nossa vida e, mais ainda, de saber o grau de importância que demos a algumas delas, seja considerando-as boas ou ruins. Quer dizer, uma experiência pode ser importante pra mim porque eu atribuo maior valor àquela experiência que a outra.

Mas nenhuma avaliação do que passou deve levar em conta só o que passou. Nenhuma retrospectiva do ano deve deixar de levar em conta também o presente. Nenhum balanço do ano deve deixar de lado o fato de que ainda estamos vivos. Com ou sem saúde, estar vivo é ter a possibilidade de novas experiências, agradáveis ou não, de novos dias e de, no futuro, realizar outras avaliações da vida.

Enfim, qualquer que seja o peso que atribuamos a uma experiência negativa que vivemos, o balanço do ano tem de ser sempre positivo, porque ainda há vida. A vida é o que há de mais importante a avaliar. Mesmo que algumas vidas tenham se perdido durante o ano, temos que lembrar que temos a chance de recordar e avaliar. Pensar no que ficou de quem se foi e em quem ficou. Estar vivo é presente. É um presente. Não se trata de uma perspectiva egoísta do tipo "o que importa é que estou vivo!" Mas como quem lembra que a morte nos ensina a vida, precisamos continuar a viver, a aprender, a avaliar e a viver. A vida se renova quando se aprende com ela. Não estou dizendo que é fácil, mas é necessário: Re-ver e Re-viver! Feliz ano novo!

PS: Homenagem a alguns amigos que perderam entes queridos no ano que passou. Estamos juntos no enfrentamento da dor e da saudade!