15/05/2007

Memórias


Dizem que o brasileiro não tem memória, que se esquece fácil até de coisas que não se deve esquecer. Dizem também que o brasileiro é pacato e, no extremo, até omisso, descansado demais. Que não participa das lutas sociais, que vê a história passar sem perceber que ele também é parte da história. Se pensarmos num brasileiro despolitizado e inconsciente dos jogos de força que estão aí, por aí, em todo lugar, amarrando e chicoteando ao mesmo tempo, talvez possamos dar razão à idéia de um brasileiro desmemoriado. Afinal, se ele não participou da história, se ficou vendo a banda passar, não poderá mesmo ter memórias. Ele pode se reconhecer um dia como quem dormira enquanto a história se fazia: "onde eu estava que não vi isso, que não vivi isso?" Só tem memória quem vive. Só se rememora quando se esteve na lida. Só se comemora quando encontramos outro que tenha passado conosco uma determinada experiência. Co-memorar, trazer à memória experiência vividas com alguém. Comemorar é também alegrar-se. E alegrar-se com a possibilidade de compartilhar as memórias construídas com o(s) outro(s). Só em conjunto se pode comemorar, só com pessoas que tenham sido nossos companheiros de jornada, de lutas, de experiências de vida. Quem vê a banda passar não pode ter memória e também não pode comemorar.

Mas confunde-se memória com saudosismo. Rememorar não é saudosismo. Rememorar não é querer voltar no tempo e reviver uma história, não é ter uma saudade avassaladora de um tempo que passou e que não volta mais. E ainda bem quem não volta mais. A história não é cíclica como se pensava antes. A história é processual, nela há avanços e retrocessos, mas nunca se pode voltar a um mesmo ponto, porque cada momento é único. E já passou. É preciso saber viver, como diria o Rei. E mais, é preciso viver. Quem não vive não tem memórias. Não pode compartilhá-las, comemorar. Não tem memória não só quem não vive, quem vê a banda passar, mas também quem não entende que a história é o próprio viver, quem deseja voltar no tempo para reviver algo que já fora vivido. Rememorar e comemorar não é desejar retroagir no tempo, mas contentar-se com as experiências vividas ou arrepender-se das escolhas feitas. Ou mesmo arrepender-se da inércia, da ausência de escolhas, que também é uma escolha. Assim como arrependimento e remorso são coisas distintas. Memória e saudosismo também não é a mesma coisa. O Saudosismo é pegajoso, é aprisionador, é a expressão maior da alienação, de quem não está consciente de que a vida é história, que tudo passa. A memória é libertária, é celebração da vida, é expressão de gratidão pelas experiências e escolhas tomadas. Rememorar é reconhecer erros e acertos que foram realizados por pessoas viventes, que sabiam que estavam vivendo um tempo histórico, que não volta atrás e que, por isso, requer consciência, responsabilidade.

Um viva à(s) mémoria(s)! Abaixo o saudosismo!