20/08/2010

Duas histórias com um mesmo final?

Havia uma mulata cujo nome era Clara. E um homem baixo que se chamava Fausto. Os sobrenomes não importam. Essa não é uma história de amor, nem de final feliz.
Clara, que era filha mais filha velha de um casal de classe média com três filhos, e nascera e crescera em Niterói/RJ, tinha tanta beleza quanto coragem. Aos 17 anos conhecera o movimento paramilitar Ação Libertadora Nacional (ALN) através de colegas da escola que frequentava. Em 1968, aos 18 anos, entrou na luta armada contra a ditadura militar, vivendo na clandestinidade e passou a ser chamada de Vivi. Nesse tempo cruzou intensamente as estradas do sudeste brasileiro, apoiando seus companheiros da ALN. Fazia um pouco de tudo com o fusca marrom do seu pai, de levar armas, cigarros e correspondências até pessoas que faziam parte da guerrilha. Foi executada um ano depois de entrar na luta armada, numa emboscada montada para matar um conhecido lider do movimento, em São Paulo. Morreu buscando a vida e deitou com um sorriso no rosto.
Ah, já ia esquecendo de falar de Fausto! Ele era sub-gerente de uma revendedora de carros e naquela mesma noite procurava um chaveiro que pudesse abrir a porta do carro de seu pai, porque distraidamente ele mesmo deixara a chave dentro do próprio veículo. Um dos tiros disparados contra Clara acertou Fausto em cheio na cabeça, a um quarteirão de distância de onde Clara fora executada. Ele ouviu vários tiros na rua de baixo e instintivamente dobrou os joelhos e virou a cabeça na direção de onde vinham os disparos. Que azar, pegou a bala de frente, na altura da sombrancelha esquerda. Morreu buscando alguém que lhe abrisse uma porta e caiu com cara de assustado.
Ambos morreram no mesmo dia e de uma mesma rajada de metralhadora. Os dois tinham 19 anos e tinham ideais, sonhos. Nenhum dos dois tinha carro próprio e nem esperava que a morte chegasse naquele dia. Só um virou herói.
Dificilmente o nosso fim expressa as dimensões da nossa vida.
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Não há moral na história:  a história dos mortos é contada pelos vivos, do jeito que se quer.
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Vivi como se fosse Clara.
Clara que não era clara.
Já era, Vivi.

E o nefasto destino,
Derrubou Fausto
Sem nenhuma grandeza.

E no fim,
O julgamento cabe a mim.