15/06/2012

A pedra de gelo que nunca derrete

Você toda gelada,
Embora toda enrolada,
Esperando minha chegada,
Pra anunciar sua partida.
Não há mais batida,
Só lástima escondida
E lágrima escorrida.
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Cheguei num dia e você se foi no outro. Você só esperou eu chegar pra partir (meu coração). Esperou meu toque e se foi. Foi encontrar a liberdade para aprisionar quem ficou.
Minha mãe sempre dizia que uma das lembranças mais desagradaveis que ela tinha era de ter beijado o rosto do pai no dia do seu velório. Pra ela foi como beijar a morte. Já não era mais o pai que estava ali, mas uma "pedra de gelo", como ela dizia. Ela sempre me aconselhou a não incorrer no mesmo erro. Mas por algum mistério, não consegui atende-la. Toca-la foi mesmo uma experiência muito ruim, tanto quanto impulsiva. Depois do anúncio da morte dela, fui o primeiro da família a chegar na capela mortuária e me deparei com três ou quatro corpos embrulhados em lençõis brancos e sem identificação externa. (Na verdade, a identificação estava numa fita adesiva colada sobre o lençol, mas o nervsismo era tanto que nem vi). Olhei os corpos ali e segui instintivamente minha busca pelo corpo dela. Comecei a desenrolar o rosto do primeiro corpo e torcendo pra que fosse ela pra eu não ter que me deparar com corpos estranhos. Mas como era branco o cabelo que surgia sob o lençol, vi que não era ela. Parti para o segundo corpo e quando o rosto dela apareceu, o meu se desfigurou. Sozinho ali naquela capela senti uma dor contida num grito que não saiu. Imdediatamente passei a mão na testa e no cabelo dela, como quem quisesse penteá-la. E na hora que a toquei lembrei das lembranças dela quanto à morte do próprio pai. Em 19/08/2006, um toque mudou tudo.
Imagem do quadro "A morta", de Rembrandt.