01/05/2011

De repente viver

Bem, de repente, é sorte grande.
Bem de repente é sorte grande.
É embolada marcada,
É fala ritmada.
De repente se vive,
Sem querer.
Bem de repente
É sobreviver,
Viver na arte
Na arte de enganar a vida,
A fome,
O medo.
Na arte de enganar os sentidos,
De criar novos sentidos.
Sem nem saber,
Sem nem escrever.
Vendo tudo se perder.
Vende tudo pra viver
E leva nas pontas dos dedos
Uma vida inteira,
Uma família inteira,
Uma cultura inteira.
E leva na ponta da língua
O que não sabe explicar,
Porquê a necessidade faz o sapo pular
Na panela vazia.
E engole sapo pra matar a fome,
Pra não morrer de fome,
Pra não ter fome de matar.
Na sua vida tudo acontece numa fração:
Um meio de viver,
Um quarto de dormir,
Um sexto de abacaxi...
E aprende a descascar
Pra não morrer.
E aprende a viver
E resistir.
Pois tudo na sua vida acontece sem razão:
Seca,
Sinhô,
Coroné,
Fé,

E amor.
Desilusão,
Expulsão
E ganha-pão.
Desafiando toda razão,
Com toda emoção,
Vai vivendo de repente,
Sonhando em um dia ser gente.
Como as que vê frente a frente
Na TV,
Se é que vê.
Bem de repente é sorte grande!
E o azar é a morte.
Por isso, vive na sorte.
Vive de doação:
Doa mais do que recebe,
Ensina mais que aprende.
Ensina a poesia da vida,
A tirar da dureza
Sua bravura,
Sua fartura.
Farto de esperar
Põe-se a caminhar.
E de repente começa a viver.
Deixando no caminho
As marcas do viver,
A cultura de refletir
Sem pensar,
Sem parar.
E aprende com a vida a zombar.
E zomba da vida (da sorte) até se fartar.
Essa é sua sorte,
Cantar.
ӃӅҰҲҞҘҸҥҦҩӋӃӅҰҲҞҘҸҥҦҩӋӃӅҰҲҞҘҸҥҦҩӋӃӅҰҲҞҘҸҥҦҩӋ
O repente é nossa cultura de resistência política, de enfrentamento das adversidades da vida. Essa poesia é uma homenagem ao nosso folk e a todos esses anônimos artistas que de repente vivem. Que repartem a riqueza que trazem, sem saber que as tem. E que não conhecem a justiça, são fustigados e enganados: dão mais do que recebem. Salve todas as recriações possíveis do repente! No fanqui, no panqui, no répi, no mangui, no roqui, no pópi... Abrasileirando tudo que toca bem aqui, no fundo da caixa de bater, no marcapasso da caminhada. Viva!