20/06/2007

Desigualdade e cotidiano


Nossa desigualdade social parece não ter solução. Isso porque não é só uma desigualdade econômica, mas uma desigualdade que tomou as vias culturais e se estabelece e se reforça cultural e cotidianamente. Reafirmamos a desigualdade cotidianamente na igreja, na escola, no trânsito, no trabalho, nas relações de vizinhança... A base da manutenção cotidiana dessa nossa desigualdade social é a crença numa desigualdade ontológica entre "nós" (melhores do que eles) e "eles" (piores do que nós). Piores do que nós porque não são da mesma classe social, porque não moram no mesmo bairro, porque não vestem as mesmas roupas, porque não tem a mesma cor de pele, porque não frequentam os mesmos lugares... Motivos não faltam para justificar a desigualdade. Essa desigualdade ontológica que acreditamos existir entre "nós" e "eles" cria fossos intransponíveis. Assim, não basta que eles morem no mesmo bairro que nós, precisam consumir; não basta que consumam, tem de saber onde consumir; não basta saber onde consumir, é preciso ter bom gosto para consumir ou para combinar as peças, e por aí vai.
A busca por diferenciação, que é comum a qualquer sociedade, no nosso caso acirra ainda mais a desigualdade social. Como nós ainda não resolvemos o problema da igualdade formal, porque de fato nem todos são iguais perante a lei, a luta por diferenciação reproduz e amplia a desigualdade. Resolver este tipo de desigualdade é mais difícil que resolver a desigualdade econômica. A desigualdade econômica se resolve com crescimento econômico e redistribuição de renda (dar mais a quem tem menos). Mas a desigualdade que se instaura culturalmente nas nossas práticas sociais cotidianas precisa de uma mudança de mentalidade para ser solucionada. Quem não assistiu o filme "Quanto vale ou é por quilo?", com Lázaro Ramos, precisa assistir e se chocar com a constatação de que somos o país com a maior quantidade de Ongs empenhadas na solução de problemas sociais, que movimentam milhões de dólares ao ano, e não conseguimos resolver nossas mazelas sociais. E estamos longe de resolver porque essa desigualdade gera recursos, para alguns. A exploração da miséria alheia e a reprodução inconsciente, nas práticas sociais cotidianas, das estruturas de desigualdade, movimentam e reforçam o lugar social de cada um. Nós aqui e eles, lá. E quando essa distância é quebrada... Essa é outra história.