27/06/2007

Ralo


Pra onde vai a água suja que escoa pelo ralo? Ninguém se pergunta algo assim. Também se questionássemos até isso, provavelmente não viveríamos. É sobre algo como um ralo, que leva a água suja para não se sabe onde, que escrevi na postagem de ontem. O melhor, para continuarmos vivendo bem com nossas consciências, é não saber onde deságua a boca do ralo. Mas sempre tem um rato que desce pelo ralo e vai até o desaguadouro. E sempre tem um rato que sobe pela tampa do bueiro e nos ameaça com suas doenças infecto-contagiosas. É mais ou menos assim a fossa da desigualdade no Brasil. Quem está na superfície produz lama, mas não quer saber onde ela vai cair. Quem está dentro do esgoto quer saber de onde vem tanta podridão. "Provavelmente, o lugar de produção da sujeira deve ser mais rico (em todos os sentidos) que aqui embaixo." Mas o rato que tenta sair do esgoto para se alimentar da sujeira em sua origem, não sabe que quem produz a sujeira não a suporta, não a quer por perto. Quem produz a sujeiro lava suas mãos para tirar qualquer vestígio que teime em se prender à vida. E deseja que a sujeira retirada das mãos vá para bem longe, caia nas correntes de água que vão até o mais profundo da terra, onde não se imagina. Mas o sujeira cai ao seu lado sem ele perceber. E ele vive nojentamente, sem perceber.
A desigualdade social abre um ralo na nossa vida cotidiana por onde escoa piadas preconceituosas, brincadeiras humilhantes, abraços hipócritas, ajudas inescrupulosas, desvios de verbas públicas, tráfico de influências, clientelismos, homofobias de todo tipo, terrorismo, intolerâncias... E todo esse material nojento vai lavando a nossa alma e levando nosso orgulho de ser diferente, de ser melhor. Só não leva o medo dos ratos saírem dos esgotos e estragarem o nosso banquete. A pobreza se torna uma ameaça numa sociedade onde a riqueza é mal distribuída. A sujeira que sai das mãos dos ricos cai sobre os pobres. Parece maniqueísmo, mas não é. Não no Brasil. O crime de colarinho branco, as corrupções políticas, crimes típicos de quem tem acesso ao poder, se reproduz com alterações entre os que não tem nenhum poder. Quem não tem poder pega em armas. Sem percebe que seu crime é punido com mais rigor que o crime cometido por aqueles que têm as mãos sujas. O criminoso que está dentro do bueiro está todo sujo de lama. O criminoso que está nas assembléias políticas tem só as mãos sujas. Não tem mais, ele acabou de lavar. A sujeira de suas mãos agora limpas faz mergulhar os ratos do esgoto em merda. É o que sobra aos que estão no fundo. E esses que estão no fundo, vai continuar no fundo. Porque quando subirem à superfície e incomodarem os ratos limpos, serão rechaçados com força, serão presos ou empurrados de volta à lama.
O segredo da boa convivência até aqui tem sido fingir que os ratos de cima não existem. Eles fazem o mesmo com os ratos de baixo. Isso vai mantendo a ordem e a harmonia entre todos.
Mas essa harmonia não existe, nunca existiu. Sem dúvida, esse ralo precisa ser tapado. Sob pena de continuarmos os mesmos sempre: sociedade desigual.