26/06/2007

Matamos Felinho!!


Felinho nasceu igual a todos:
Foi bebê, criança e adolescente.
Mas nunca foi gente.
Nasceu numa família batalhadora.
Que nunca precisou de metralhadora.
Tinha muitos irmãos.
Tinha poucos recursos.
Quando menino gostava de correr
E de jogar bola.
Estava no sangue:
Seu avô foi jogador amador e
Seu irmão foi jogador profissional.
Era magrelo,
Esguio,
Veloz.
Mas não conseguiu fugir da maldade
E da falta de oportunidade.
Na infância foi abusado.
E abusaram dele.
Foram os meninos maiores de sua própria rua.
Virou piada,
Entrou na vida.
Percebeu ainda criança
Que não era igual,
Que nunca fora igual,
E, talvez, que nunca seria igual.
Seu problema é que era negro
E pobre.
Percebeu logo que sua cor
Era fator principal
De distinção social.
Tentou resistir às evidências,
E levou sua luta às últimas consequências.
Se envolveu nos espaços destinados aos negros na Esfera Social:
Foi aprendiz de pedreiro
E amou o carnaval.
Frequentou escola,
Abandonou a escola...
E começou a dar pequenos golpes.
Foi dando golpes,
Como se descontasse os golpes que levava.
Um dia fez uma tatoo.
Aí completou:
Preto, Gay e tatuado.
Tá roubado!
Foi preso a primeira vez:
E voltou a ser de todos.
Foi solto:
Não era de ninguém.
Se embrenhou no mato.
E a polícia atrás.
Passaram-se dois dias
E a polícia atrás.
E lá, longe da família,
E do olhar social,
No meio do matagal,
Encontrara o desfecho de sua vida
Nada triunfal:
Onze tiros.
Seis nas costas,
Três na cabeça,
Dois no braço
E seis no mato.
Viveu pouco,
Talvez até a primeira infância.
E começou a morrer quando começou a percorrer
O destino que já lhe estava traçado.
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Matamos Felinho, Charutinho e tantos outros. Matamos e não percebemos como. Não entendemos como reproduzimos desigualdades sociais e raciais. E que peso essa desigualdade reproduzida por nós tem na vida de suas maiores vítimas. E não é pra entender mesmo. O não-entendimento desse mecanismo perverso que nos faz excluir o outro, por qualquer motivo que seja, é parte de uma ideologia que nos faz acreditar que as coisas são assim mesmo, que é natural. Que o excluído é derrotado, perdedor. Entender esse mecanismo poderia nos fazer romper com essa lógica de reprodução de desigualdades. Mas quem disse que queremos diminuir as desigualdades sociais? Por isso, é melhor que continue assim, sem sabermos como matamos, como excluímos, como reforçamos desigualdades... Triste fim de Felinho. Triste fim nosso. Triste fim.
Até!