24/03/2010

Adeus, Rogério! Lamento!

Os jornais de hoje no Rio noticiam o assassinato do traficante Rogério Rios Mosqueira, realizado ontem pela polícia daquele estado no Morro de São Carlos. Rogério, mais conhecido como Roupinol, e que também atendia pelos apelidos de Lindão e Macaé, era o chefe de uma das mais temidas organizações criminosas do Brasil, a Amigos dos Amigos (ADA), uma dicidência da facção criminosa Terceiro Comando (TC).
Rogério era considerado um sujeito extremamente violento e obstinado, que não media esforços para conseguir o que queria. Conta-se que ele promovia sessões de torturas com seus inimigos e que se deleitava em faze-los sofrer. Sua ficha criminal conta com mais de uma dezena de homicídios e há depoimentos de que ele mesmo às vezes saía do esconderijo onde vivia com a arma em punho, ameaçando moradores e crianças do local. Há indícios de que teria orquestrado o assassinato do Secretário de Transportes de sua cidade natal, morto com vários tiros numa emboscada no trânsito.
A polícia encontrou apontamentos de movimentação do traficante que permitem chegar à conclusão de que o traficante já faturara a impressionante sifra de aproximadamente R$ 400 milhões com cocaína. Os policiais disseram que ele conseguiu expandir seu mercado consumidor de cocaína aumentando o teor de pureza da droga (o que poderia ser considerado um indicador de qualidade) sem alterar o preço final.
Poderia ficar aqui dando detalhes e mais detalhes das ações criminosas realizadas por Rogério ou a mando dele. E mencionei algumas delas para mostrar que ele não era santo. Mas a intenção aqui é outra. Rogério era meu conterrêneo e contemporâneo. Alguns de meus amigos de infância lembram dele e tentaram me fazer lembrar. Mas não consigo lembrar, embora seu rosto não fosse nada estranho a mim. Dizem que foi criado numa rua próxima onde me criei. Naquele tempo em que a criançada se socializava na rua antes mesmo de ir à escola. Tento refazer as cenas de infância que ainda guardo na mente, recompondo as peladas, os piques e outras brincadeiras que se davam no espaço público. E penso em como pude me criar tão próximo e não conhece-lo; penso em como pude contribuir de alguma maneira para que ele se tornasse o que se tornou; como poderia ter evitado que ele se embrenhasse no crime. Ficam perguntas como essas na minha cabeça e na de outros macaenses. Mas sobretudo na de seus amigos mais chegados e familiares. Acima de todas as perguntas que pairam reflexivamente no ar com a morte de Rogério, quero fazer uma importante afirmativa: a produção do que ele foi se deve a fatores históricos específicos da vida dele e da sociedade de seu convívio; se deve a oportunidades (negadas ou concedidas) para o bem ou para o mal. Mas, sobretudo, é importante lembrar que outros Rogérios virão enquanto não nos ocuparmos seriamente em cuidar de nossas crianças, em aumentar as oportunidades sociais e culturais e reduzir as oportunidades do crime. E aí, quando não cuidamos adequadamente das crianças, depois é cômodo chama-las de um apelido pejorativo. E fazemos isso para aplacar nossa culpa, nossa omissão. Afinal é mais fácil dizer que morreu o traficante Roupinol do que o Rogerinho, que era nosso vizinho. Faz parecer que o crime foi uma escolha só dele. Faz a gente fechar os olhos para a identidade do cidadão que experimentou muito pouco da cidadania. Que virou mais um número, tombado antes mesmo de cair. Lamento!
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E também não podemos deixar de considerar que a morte de Rogério aconteceu no Morro de São Carlos, terra que viu correr o moleque-gênio Gonzaguinha. Mas este teve uma vida bem diferente de Rogério, apesar de terem em comum a experiência com a pobreza e o fim trágico em tempos e circunstâncias distintas. Oportunidade é o diferencial.