14/03/2010

Sr. AF

Sr. Antônio França (Sr. AF) era um burocrata institucionalizado e infeliz. Bom marido e pai de família, Sr. AF desejava sua independência mas não fazia nada por isso. Sr. AF era um derrotado resignado. Sr. AF realizava a mesma rotina todos os dias, e se sentia seguro nisso: acordava cedo para fazer o café da manhã; tomava café sozinho; ia para o trabalho de carro passando pelas mesmas ruas todos os dias; trabalhava tanto que parecia um burro de carga, mas nem se dava conta disso; almoçava pouco para não ficar sonolento no trabalho, afinal seu apurado senso de responsabilidade não permitia que ele fizesse diferente; levava e pegava os filhos na escola, estacionando o carro sempre no mesmo lugar; acessava seu email duas vezes por dia, mesmo nunca recebendo mensagem importante que valesse a pena manter essas duas consultas diárias; voltava pra casa pelos mesmos caminhos; tomava banho pensando na rotina do dia seguinte; tomava uma lata de cerveja toda noite ouvindo um bom disco de MPB, experimentando a maior liberdade de sua vida; assistia o jornal da noite na TV, dando sempre boa noite aos apresentadores ao final; ajeitava religiosamente seus chinelos ao lado da cama antes de deitar; despedia-se da patroa com um beijo na testa e virava-se para o canto esperando o sono chegar; dormia em média cinco horas por dia.
Mas um dia, quando Sr. AF foi trabalhar com seu terninho azul marinho de sempre, encontrou um tesouro dourado aparentemente perdido. Sr. AF hesitou em dar o bote no tesouro que estava dando sopa por ali, ficara com medo de ser uma armadilha. Afinal, foi muito de repente, meio sem querer, e Sr. AF duvidava de suas capacidades e desconfiava de facilidades e do acaso. Mas como Sr. AF desejava muito se apossar daquela riqueza, não quis pensar muito, olhou bem para os lados e passou a mão. Sr. AF levou a riqueza ainda fechada pra sua casa e deitou-se no chão, aos risos, abraçando seu novo tesouro, imaginando-se um homem rico agora. Depois da euforia inicial, Sr. AF tomou coragem e começou a desembrulhar o tesouro, e descobriu que a riqueza avaliada era muito mais valiosa que imaginou inicialmente. Naquela noite Sr. AF não dormiu, passou o tempo todo namorando seu novo tesouro e imaginando o que faria depois. Pois Sr. AF sempre quis ter riqueza que permitisse realizar seus desejos. No dia seguinte Sr. AF não foi trabalhar, nem deu explicações. No outro dia também não. Estava de bem com a vida e fugindo da prisão. Quando a patroa chegou, não o encontrou. Sr. AF agora estava rico, solto e irresponsável. Um dia, pra piorar sua situação, encontrou um amigo na rua que deu a seguinte sugestão: - "Sr., corra atrás dos seus sonhos e desejos, não deixe as coisas só acontecerem não!" Era o que precisava ouvir para se entregar e curtir.
Passou o tempo e Sr. AF gastou todo o tesouro, ficou sozinho, duro e na mão. É claro que queria mais, mas para Sr. AF foi tudo muito bom. Valeu a pena!