Em 1982, quando Eduardo Dussek cantou "Troque seu cachorro por uma criança pobre", na música Rock da Cachorra, de Léo Jaime, ainda não havia acontecido a expansão do mercado de bichos de estimação e de toda parafernália ligada ao cuidado com os bichanos. O sucesso que a música alcançou naquele contexto provavelmente não seria o mesmo se fosse lançada nos dias de hoje. A música que tinha até um certo viés político de denúncia do exagerado cuidado com os animais de estimação, em detrimento de nossas crianças carentes, e cantada em tom bem humorado, provavelmente esbarraria na realidade do mercado: segundo consultores da área de produtos para animais de estimação, estima-se que o mercado de pet cresce cerca de 20% ao ano no país e fatura mais de US$ 1 bilhão por ano. A mesma quantia é movimentada anualmente pelo mercado clandestino de animais silvestres, no chamado tráfico de animais. É, os animais também viraram mercadoria! Este é um ponto interessante para refletirmos
Por que será que o mercado de animais se expande tanto? Poderão existir várias respostas, mas quero me dedicar a um fator, retirado do depoimento de um empresário do ramo de Pet Shops: "No mundo globalizado, o mercado dos bichos de companhia também é sinônimo de lucros".Esta carência de companhia apontada pelo empresário não se deve à chamada Globalização, mas ao aumento da desconfiança entre nós. Carecemos de cuidados e queremos cuidar. Mas num mundo tão individualista, em que perdemos nossas referências, em que não conhecemos mais ninguém, em que saimos de casa para trabalhar e voltamos à noite sem receber uma manifestação de aprovação, de cuidado, e sem manifestarmos nosso contentamento com alguém, chegar em casa e ser recebido aos beijos, ou melhor, às lambidas e aos latidos ou miados, chega a ser comovente.
Não há dúvidas que os animais de estimação são carinhosos, companheiros etc. Mas a companhia que eles nos fazem é apenas um tipo de companhia, não substitui totalmente a necessidade de "estar com" que o ser humano tem. Tanto não satisfaz plenamente nossa carência de amigos e relações sociais que os mais entusiastas do cuidado com os animais logo começam a tratar os bichos como iguais, como seres humanos: é "meu amor" pra lá, "filhinho" pra cá, longas conversas com os bichinhos (e juram que o bicho está entendendo tudo que está ouvindo!).
Sem dúvida, esse tipo de cuidado exagerado com os bichos expõe a carência e solidão que vivemos nos dias de hoje. Principalmente nos grandes centros urbanos. Mas os lugares menores também são alcançados pelo mesmo sentimento de desconfiança e medo que nos isola um do outro, graças à homogeneização da experiência. (Vou falar melhor disso qualquer dia.)
Aristóteles dizia que o homem é um animal politico, quer dizer, relacional, que precisa desenvolver seu lado social, precisa estar com o outro. Se, como estou afirmando, a companhia dos animais não supre completamente as carências humanas de cuidado e proteção, podemos questionar também pensando pelo lado do animalzinho: será que nossa companhia é suficiente para ele? será que somos tão boa companhia para ele quanto ele é pra nós? Com certeza, as respostas serão negativas.
Desde já quero deixar claro que não sou contra animais de estimação ou que esteja pregando o maus tratos aos animais etc. Minha questão é humanista: por que nos tornamos pessoas tão sós? Por que nos preocupamos e gastamos mais com os bichanos que com nossos semelhantes? E, fundamentalmente, quero afirmar que precisamos de um equilíbrio entre o cuidado com o bicho e o cuidado com o outro (ser humano), sob pena de nos tornarmos ainda mais sós e carentes. Vamos à rua. Vamos cuidar do outro. Mas não espere aceitação imediata, porque não estamos acostumados a isso e desconfiamos de quem o faça.
Para encerrar, quero dizer, em primeira mão, que ingressei (eu e a esposa) com um processo judicial para adoção de menor (ser humano). Estou fazendo a minha parte. A situação dos menores abandonados no Brasil é também um problema social. Mas isto fica para outra oportunidade.