12/02/2007

Violência e Infância



Estive uns dois dias perplexo com as notícias do assassinato brutal do menino João Hélio. Queria escrever alguma coisa sobre isso mas não conseguia. Afinal, como explicar uma morte tão cruel como esta? Parece mesmo não ter explicação. Aí tentei lembrar minha infância e as coisas mais cruéis que presenciei na minha época de criança. Lembrei que gostava de assisitr filmes de terror com assassinatos com "requintes de crueldade", como se costuma dizer: degolas, esquartejamento, tortura, facadas, tiros, venenos, asfixia, enforcamentos etc. Assisti todos ou quase todos das décadas de 1970 e 1980, época em que os filmes de terror viraram febre: Sexta-feira 13 (e suas intermináveis sequências), Halloween (e suas sequências), Colheita Maldita, Re-animator, A morte do demônio, Carrie, Massacre da serra-elétrica, A hora do pesadelo, A volta dos mortos-vivos, A noite dos mortos-vivos, Poltergeist, O portão, A maldição dos mortos-vivos, Coração Satânico, O Exorcista, Pavor na cidade dos zumbis, e por aí vai. Todos repletos de banhos de sangue e com os ingredientes indispensáveis ao gênero: mortes.
O que me atraía nesses filmes é que a violência contida neles era a caricaturização de algo distante da nossa realidade. Quero dizer que gostava dos filmes de terror (e eu preferia os de assassinatos do que os de monstros e fenômenos sobrenaturais) porque eles eram uma ficção no meu universo infanto-juvenil. Era a apresentação de uma coisa que no fundo eu achava que não era real. Eu sabia que era um filme e, de alguma maneira inconsciente, não admitia que a ficção do filme se misturasse à minha realidade, ou a de ninguém. O filme era o espaço das pirações, dos impossíveis, das invenções, do lúdico. Já a realidade era o lugar dos estudos, dos deveres de casa, das provas e dos horários marcados. O máximo que as imagens e símbolos dos filmes de terror passavam para minha realidade era nas brincadeiras, mas nada que colocasse em risco a vida alheia. Gostava de ser alguns dos personagens (Freddy e Jason, por exemplo) e de cantar as musiquinhas dos filmes (principalmente a de Halloween). A violência dos filmes de terror me fascinava.
Lembrando esses episódios dos meus 13 aos 16 anos de idade e toda violência contida nos filmes de terror, percebi que nada se compara ao que aconteceu com o menino João Hélio. Simplesmente porque o que aconteceu com o menino não é filme, mas real. Não se pode voltar a fita (como se fazia na época dos vídeocassetes) para rever os detalhes da cena. Não foi uma cena, foi um assassinato de verdade. E isso é mesmo chocante, apavorante e cruel. Esta violência que parece romper o limite infantil entre ficção e realidade, e a prova disso é que nossas crianças hoje já se preocupam com a violência (veja imagem acima), talvez seja a causa da redução das produções de filmes de terror a partir dos anos 1990. O que nos divertia nas produções das décadas de 1970 e 80 era que as cenas representadas na tela "não existiam" na nossa realidade. Estávamos mais distantes dessa violência. Mas na medida em que a violência passa a fazer parte do nosso cotidiano, o que nos divertirá? Será que aquela infância inocente, em detrimento da infância vivida nos dias de hoje, não explica também, em alguma medida, a onda retrô em que vivemos? Parece que queremos de volta o estilo de vida que tínhamos antes, e que perdemos. Viva os filmes inocentes, as animaões, os romances...! Viva a infância! Chega de violência!
Aproveito para indicar um filme inocente e cativante sobre acreditar no potencial de alguém ainda na infância, e sobre a diferença que isso faz na vida de uma criança, e para quem gosta do ritmo mais lento e romântico do cinema europeu. O nome do filme é "A voz do coração" (Les choristes). Vale a pena!